D.C.E.'s



GOVERNO DO PARANÁ
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA


 DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA
EDUCAÇÃO FÍSICA

SUMÁRIO:


A EDUCAÇÃO BÁSICA E A OPÇÃO PELO CURRÍCULO DISCIPLINAR
1. OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
3. DIMENSÕES DO CONHECIMENTO
3.1 O CONHECIMENTO E AS DISCIPLINAS CURRICULARES
3.2 A INTERDISCIPLINARIDADE
3.3 A CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA
4. AVALIAÇÃO

DIRETRIZES CURRICULARES DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

1.   DIMENSÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA   

2.   FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
2.1 ELEMENTOS ARTICULADORES DOS CONTEÚDOS ESTRUTURANTES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA
      a) CULTURA CORPORAL E CORPO
      b) CULTURA CORPORAL E LUDICIDADE
      c) CULTURA CORPORAL E SAÚDE
      d) CULTURA CORPORAL E MUNDO DO TRABALHO
      e) CULTURA CORPORAL E DESPORTIVIZAÇÃO
      f) CULTURA CORPORAL – TÉCNICA E TÁTICA
      g) CULTURA CORPORAL E LAZER
      h) CULTURA CORPORAL E DIVERSIDADE
      i) CULTURA CORPORAL E MÍDIA

3.   CONTEÚDOS ESTRUTURANTES
 3.1 ESPORTE
 3.2 JOGOS E BRINCADEIRAS
 3.3 GINÁSTICA
 3.4 LUTAS
 3.5 DANÇA
4.    ENCAMINHAMENTOS METODOLOGICOS
5.    AVALIAÇÃO
6.    REFERÊNCIAS
ANEXO: Conteúdos Básicos da Disciplina de Educação Física




 A EDUCAÇÃO BÁSICA E A OPÇÃO PELO CURRÍCULO DISCIPLINAR



As etapas históricas do desenvolvimento da humanidade não são formas esvaziadas das quais se exalou a vida porque a humanidade alcançou formas de desenvolvimento superiores, porém, mediante a atividade criativa da humanidade, mediante a práxis, elas se vão continuamente integrando no presente. O “processo de integração” é ao mesmo tempo crítica e avaliação do passado. O passado concentra no presente (e portanto aufgehoben no sentido dialético) cria natureza humana, isto é, a “substância” que inclui tanto a objetividade quanto a subjetividade, tanto as relações materiais e as forças objetivas, quanto a faculdade de “ver” o mundo e de explicá-lo por meio dos vários modos de subjetividade – cientificamente, artisticamente, filosoficamente, poeticamente, etc. (KOSIK, 2002, p. 150).

     
    1. OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA


A escola pública brasileira, nas últimas décadas, passou a atender um número cada vez maior de estudantes oriundos das “classes populares”. Ao assumir essa função, que historicamente justifica a existência da escola pública, intensificou-se a necessidade de discussões contínuas sobre o papel do ensino básico no projeto de sociedade que se quer para o país. A depender das políticas públicas em vigor, o papel da escola define-se de formas muito diferenciadas. Da perspectiva das Teorias Críticas da Educação, as primeiras questões que se apresentam são:
  •            Quem são os sujeitos da escola pública? 
  •    De onde eles vêm?
  •    Que referências sociais e culturais trazem para a escola?

Um sujeito” é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é, também, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo como o compreende e como dele lhe é possível participar. Ao definir qual formação se quer proporcionar a esses sujeitos, a escola contribui para determinar o tipo de participação que lhes caberá na sociedade. Por isso, as reflexões sobre “Currículo” têm, em sua natureza, um forte caráter político.
Nestas diretrizes, propõe-se uma reorientação na política curricular com o objetivo de construir uma sociedade justa, onde as oportunidades sejam iguais para todos. Para isso, os sujeitos da Educação Básica, “crianças”, “jovens” e “adultos”, em geral oriundos das classes assalariadas, urbanas ou rurais, de diversas regiões e com diferentes origens étnicas e culturais (FRIGOTTO, 2004), devem ter acesso ao conhecimento produzido pela humanidade que, na escola, é veiculado pelos conteúdos das disciplinas escolares. Assumir um “Currículo Disciplinar” significa dar ênfase à escola como lugar de socialização do conhecimento, pois essa função da instituição escolar é especialmente importante para os estudantes das “classes menos favorecidas, que têm nela uma oportunidade, algumas vezes a única, de acesso ao mundo letrado, do conhecimento científico, da reflexão filosófica e do contato com a arte. Os conteúdos disciplinares devem ser tratados, na escola, de modo contextualizado, estabelecendo-se, entre eles, relações interdisciplinares e colocando sob suspeita tanto a rigidez com que tradicionalmente se apresentam quanto o estatuto de verdade atemporal dado a eles. Desta perspectiva, propõe-se que tais conhecimentos contribuam para a crítica às contradições sociais, políticas e econômicas presentes nas estruturas da sociedade contemporânea e propiciem compreender a produção científica, a reflexão filosófica, a criação artística, nos contextos em que elas se constituem.
Essa concepção de escola orienta para uma aprendizagem específica, colocando em perspectiva o seu aspecto formal e instituído, o qual diz respeito aos conhecimentos historicamente sistematizados e selecionados para compor o currículo escolar. Nesse sentido, a escola deve incentivar a prática pedagógica fundamentada em diferentes metodologias, valorizando concepções de ensino, de aprendizagem (internalização) e de avaliação que permitam aos professores e estudantes conscientizarem-se da necessidade de “... uma transformação emancipadora.
É desse modo que uma contraconsciência, estrategicamente concebida como alternativa necessária à internalização dominada colonialmente, poderia realizar sua grandiosa missão educativa” (MÈSZÁROS, 2007, p. 212). Um projeto educativo, nessa direção, precisa atender igualmente aos sujeitos, seja qual for sua condição social e econômica, seu pertencimento étnico e cultural e às possíveis necessidades especiais para aprendizagem. Essas características devem ser tomadas como potencialidades para promover a aprendizagem dos conhecimentos que cabe à escola ensinar, para todos.

    
    2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS


Pensar uma concepção de “Currículo para a Educação Básica” traz, aos professores do Estado do Paraná, uma primeira questão a ser enfrentada.

Afinal, o que é Currículo?

Sacristán fala de impressões que, “tal como imagens, trazem à mente o conceito de Currículo”.
Em algumas dessas impressões, a ideia de que o “Currículoé construído para ter efeitos sobre as pessoas fica reduzida ao seu caráter estrutural prescritivo. Nelas, parece não haver destaque para a discussão sobre como se dá, historicamente, a seleção do conhecimento, sobre a maneira como esse conhecimento se organiza e se relaciona na estrutura curricular e, consequência disso, o modo como as pessoas poderão compreender o mundo e atuar nele.

[...] o CURRÍCULO como conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas pelo aluno dentro de um ciclonível educativo - modalidade de ensino é a acepção mais clássica e desenvolvida;

[...] o CURRÍCULO como programa de atividades planejadas, devidamente sequencializadas, ordenadas metodologicamente tal como se mostram num manual ou num guia do professor;

[...] o CURRÍCULO, também foi entendido, às vezes, como resultados pretendidos de aprendizagem;

[...] o CURRÍCULO como concretização do plano reprodutor para a escola de determinada sociedade, contendo conhecimentos, valores e atitudes;

[...] o CURRÍCULO como experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se;

[...] o CURRÍCULO como tarefa e habilidade a serem dominadas como é o caso da formação profissional;

[...] o CURRÍCULO como programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução social da mesma (SACRISTAN, 2000, p. 14).

Essas impressões sobre Currículo podem ser consideradas as mais conhecidas e corriqueiras, porém, nem todas remetem a uma análise crítica sobre o assunto. Quando se considera o Currículo tão somente como um documento impresso, uma orientação pedagógica sobre o conhecimento a ser desenvolvido na escola ou mera lista de objetivos, métodos e conteúdos necessários para o desenvolvimento dos saberes escolares, despreza-se seu caráter político, sua condição de elemento que pressupõe um projeto de futuro para a sociedade que o produz.
Faz-se necessária, então, uma análise mais ampla e crítica, ancorada na ideia de que, nesse documento, está impresso o resultado de embates políticos que produzem um “projeto pedagógico vinculado a um projeto social”.
Assim, da tentativa de responder o que é Currículo, outras duas questões indissociáveis se colocam como eixos para o debate:
  •      a intenção política que o Currículo traduz;
  •    a tensão constante entre seu caráter prescritivo e a prática docente.

Como documento institucional, o Currículo pode tanto ser resultado de amplos DEBATES que tenham envolvido professores, alunos, comunidades, quanto ser fruto de DISCUSSÕES centralizadas, feitas em gabinetes, sem a participação dos sujeitos diretamente interessados em sua constituição final.
No caso de um Currículo imposto às escolas, a prática pedagógica dos sujeitos que ficaram à margem do processo de discussão e construção curricular, em geral, transgride o Currículo documento. Isso, porém, não se dá de forma autônoma, pois o documento impresso, ou seja, “o estabelecimento de normas e critérios tem significado, mesmo quando a prática procura contradizer ou transcender essa definição pré-ativa (de Currículo). Com isso, ficamos “vinculados” a formas prévias de reprodução, mesmo quando nos tornamos criadores de novas formas” (GOODSON, 1995, p. 18).

Entretanto, quando uma nova proposição Curricular é apresentada às escolas, como fruto de AMPLA DISCUSSÃO COLETIVA, haverá, também, criação de novas práticas que irão além do que propõe o documento, mas respeitando seu ponto de partida teórico-metodológico. Em ambos os casos, mas com perspectivas políticas distintas, identifica-se uma tensão entre o CURRÍCULO DOCUMENTO e o CURRÍCULO COMO PRÁTICA. Para enfrentar essa tensão, o currículo documento deve ser objeto de análise contínua dos sujeitos da educação, principalmente a concepção de conhecimento que ele carrega, pois, ela varia de acordo com as matrizes teóricas que o orientam e o estruturam. Cada uma dessas matrizes dá ênfase a diferentes saberes a serem socializados pela escola, tratando o conhecimento escolar sob óticas diversas.
Dessa perspectiva, e de maneira muito ampla, é possível pensar em TRÊS GRANDES MATRIZES CURRICULARES, a saber:



  • ACADEMICISMO E AO CIENTIFICISMO.

No Currículo vinculado ao academicismo/cientificismo, os saberes a serem socializados nas diferentes disciplinas escolares são oriundos das ciências que os referenciam. A disciplina escolar, assim, é vista como decorrente da “ciência” e da “aplicabilidade do método científico” como método de ensino. Esse tipo de currículo pressupõe que o “processo de ensino deve transmitir aos alunos a lógica do conhecimento de referência. [...] é do saber especializado e acumulado pela humanidade que devem ser extraídos os conceitos e os princípios a serem ensinados aos alunos” (LOPES, 2002, p. 151-152). Embora remeta-se ao saber produzido e acumulado pela humanidade como fonte dos saberes escolares, podendo-se inferir o direito dos estudantes da Educação Básica ao acesso a esses conhecimentos, uma das principais CRÍTICAS ao currículo definido pelo “cientificismo/academicismoé que ele trata a disciplina escolar como ramificação do saber especializado, tornando-a refém da fragmentação do conhecimento. A consequência disso são disciplinas que não dialogam e, por isso mesmo, fechadas em seus redutos, perdem a dimensão da totalidade. Outra CRÍTICA a esse tipo de Currículo argumenta que, ao aceitar o “status quo” dos conhecimentos e saberes dominantes, o currículo cientificista/academicista enfraquece a possibilidade de constituir uma perspectiva crítica de educação, uma vez que passa a considerar os conteúdos escolares tão somente como “resumo do saber culto e elaborado sob a formalização das diferentes disciplinas” (SACRISTAN, 2000, p. 39). Esse tipo de currículo se concretiza no “syllabus” ou “Lista de Conteúdos”. Ao se expressar nesses termos, é mais fácil de regular, controlar, assegurar sua inspeção, etc., do que qualquer outra fórmula que contenha considerações de tipo psicopedagógico” (SACRISTÁN, 2000, p. 40).



  • ÀS SUBJETIVIDADES E EXPERIÊNCIAS VIVIDAS PELO ALUNO.

O Currículo estruturado com base nas experiências e/ou interesses dos alunos faz-se presente, no Brasil, destacadamente, em dois momentos:
         I. Nas discussões dos teóricos que empreenderam, no país, a difusão das ideias pedagógicas da “Escola Nova”. (A "Escola Nova" foi um importante movimento de renovação da escola tradicional. Fundamentava o ato pedagógico na ação, na atividade da criança e menos na instrução dada pelo professor. Para John Dewey, um dos idealizadores da Escola Nova, a educação deveria ajudar a resolver os problemas apresentados pela experiência concreta da vida. Assim, a educação era entendida como processo e não como produto. “Um processo de reconstrução e reconstituição da experiência; um processo de melhoria permanente da eficiência individual” (GADOTTI, 2004, p. 144));

  II.        Na implementação do “projeto neoliberal” de educação, difundido no documento chamado “Parâmetros Curriculares Nacionais” (PCN's).

Fundamentando-se em concepções psicológicas, humanistas e sociais, esse tipo de Currículo pressupõe que:

[...] nesse contexto, era vista como a instituição responsável pela compensação dos problemas da sociedade mais ampla. O foco do Currículo foi deslocado do conteúdo para a forma, ou seja, a preocupação foi centrada na organização das atividades, com base nas experiências, diferenças individuais e interesses da criança (ZOTTI, 2008).


As CRÍTICAS a esse tipo de Currículo referem-se a uma concepção curricular que se fundamenta nas necessidades de desenvolvimento pessoal do indivíduo, em prejuízo da aprendizagem dos conhecimentos histórica e socialmente construídos pela humanidade. Além disso, a perspectiva experiencial reduz a escola ao papel de instituição socializadora, ressaltando os processos psicológicos dos alunos e secundarizando os interesses sociais e os conhecimentos específicos das disciplinas.


Essa perspectiva considera que o ensino dos saberes acadêmicos é apenas um aspecto, de importância relativa, a ser alcançado. Uma vez que esta concepção de Currículo não define o papel das disciplinas escolares na organização do trabalho pedagógico com a experiência, o utilitarismo surge como um jeito de resolver esse problema, aproximando os conteúdos das disciplinas das aplicações sociais possíveis do conhecimento.
Tanto a concepção cientificista de Currículo, quanto aquela apoiada na experiência e interesses dos alunos.

[...] pautam-se em uma visão redentora frente à relação “educação” e “sociedade”, com respostas diferenciadas na forma, mas defendendo e articulando um mesmo objetivo – adaptar a escola e o currículo à ordem capitalista, com base nos princípios de ordem, racionalidade e eficiência

Em vista disso, as questões centrais do Currículo foram os processos de seleção e organização do conteúdo e das atividades, privilegiando um planejamento rigoroso, baseado em teorias científicas do processo ensino-aprendizagem, ora numa visão psicologizante, ora numa visão empresarial (ZOTTI, 2008).



  • CONFIGURADOR DA PRÁTICA, VINCULADO AS TEORIAS CRÍTICAS.

O Currículo como configurador da prática, produto de ampla discussão entre os sujeitos da educação, fundamentado nas teorias críticas e com organização disciplinar é a proposta destas Diretrizes para a rede estadual de ensino do Paraná, no atual contexto histórico”.

Não se trata de uma ideia nova, já que, num passado não muito distante, fortes discussões pedagógicas se concretizaram num documento curricular que se tornou bastante conhecido, denominado “Currículo Básico” (As discussões que culminaram na elaboração do Currículo Básico ocorreram no contexto da reabertura política, na segunda metade dos anos de 1980, quando o Brasil saía de um período de 20 anos submetido à ditadura militar.)
Esse documento foi resultado de um intenso processo de discussão coletiva que envolveu professores da rede estadual de ensino e de instituições de ensino superior. Vinculava-se ao “Materialismo Histórico Dialético”, matriz teórica que fundamentava a proposta de ensino-aprendizagem de todas as disciplinas do currículo.
Chegou à escola em 1990 e vigorou, como “Proposição Curricular Oficial No Paraná”, até quase o final daquela década. Estas Diretrizes Curriculares, por sua vez, se apresentam como frutos daquela matriz curricular (Currículo Básico), porém, duas décadas se passaram e o documento atual tem as marcas de outra metodologia de construção, por meio da qual a discussão contou com a participação maciça dos professores da rede.
Buscou-se manter o vínculo com o campo das teorias críticas da educação e com as metodologias que priorizem diferentes formas de Ensinar, de Aprender e de Avaliar.
Além disso, nestas diretrizes a “Concepção de Conhecimento” considera suas dimensões científica, filosófica e artística, enfatizando-se a importância de todas as disciplinas.
Para a seleção do “Conhecimento”, que é tratado, na escola, por meio dos conteúdos das disciplinas concorrem tanto os fatores ditos externos, como aqueles determinados pelo regime sócio-político, religião, família, trabalho quanto as características sociais e culturais do público escolar, além dos fatores específicos do sistema como os níveis de ensino, entre outros. Além desses fatores, estão os saberes acadêmicos, trazidos para os Currículos Escolares e neles tomando diferentes formas e abordagens em função de suas permanências e transformações. Tais temas foram o motivo das discussões propostas para os professores durante o processo de elaboração destas Diretrizes, trabalhados numa abordagem histórica e crítica a respeito da constituição das disciplinas escolares, de sua relevância e função no Currículo e de sua relação com as ciências de referência.
Na relação com as ciências de referência, é importante destacar que as disciplinas escolares, apesar de serem diferentes na abordagem, estruturam-se nos mesmos princípios epistemológicos e cognitivos, tais como os mecanismos conceituais e simbólicos. Esses princípios são critérios de sentido que organizam a relação do conhecimento com as orientações para a vida como prática social, servindo inclusive para organizar o saber escolar.
Embora se compreendam as Disciplinas Escolares como indispensáveis no processo de socialização e sistematização dos conhecimentos, não se pode conceber esses conhecimentos restritos aos limites disciplinares. A valorização e o aprofundamento dos conhecimentos organizados nas diferentes disciplinas escolares são condição para se estabelecerem as “relações interdisciplinares, entendidas como necessárias para a compreensão da totalidade.
Assim, o fato de se identificarem condicionamentos históricos e culturais, presentes no formato disciplinar de nosso sistema educativo, não impede a perspectiva interdisciplinar. Tal perspectiva se constitui, também, como concepção crítica de educação e, portanto, está necessariamente condicionada ao formato disciplinar, ou seja, à forma como o conhecimento é produzido, selecionado, difundido e apropriado em áreas que dialogam mas que constituem-se em suas especificidades.


 3 DIMENSÕES DO CONHECIMENTO


Fundamentando-se nos princípios teóricos expostos, propõe-se que o Currículo da Educação Básica ofereça, ao estudante, a formação necessária para o enfrentamento com vistas à transformação da realidade social, econômica e política de seu tempo.
Esta ambição remete às reflexões de “Gramsci” em sua defesa de uma educação na qual o espaço de conhecimento, na escola, deveria equivaler à ideia de “atelier-biblioteca-oficina”, em favor de uma formação, a um só tempo, humanista e tecnológica.




Esta será uma de suas ideias chaves até o final da vida.
 · O homem renascentista, para ele (Gramsci) sintetiza o momento de elevada cultura com o momento de transformação técnica e artística da matéria e da natureza;
   ·  Sintetiza também a criação de grandes ideias teórico-políticas com a experiência da convivência popular.
Sem dúvida, deve ele estar imaginando o “homem renascentista” como um Leonardo da Vinci no seu “atelier-biblioteca-oficina”: as estantes cheias dos textos clássicos, as mesas cheias de tintas e modelos mecânicos; ou então escrevendo ensaios políticos e culturais como um Maquiavel que transitava da convivência íntima com os clássicos historiadores da literatura greco-romana, para a convivência, também íntima, com os populares da cidade de Florença. À luz desses modelos humanos, Gramsci sintetiza, no ideal da escola moderna para o proletariado, as características da liberdade e livre iniciativa individual com as habilidades necessárias à forma produtiva mais eficiente para a humanidade de hoje (NOSELLA, p. 20).


Esse é o princípio implícito nestas diretrizes quando se defende um Currículo baseado nas dimensões científica, artística e filosófica do Conhecimento. A produção científica, as manifestações artísticas e o legado filosófico da humanidade, como dimensões para as diversas disciplinas do Currículo, possibilitam um trabalho pedagógico que aponte na direção da totalidade do conhecimento e sua relação com o cotidiano. Com isso, entende-se a “Escola” como o espaço do confronto e diálogo entre os conhecimentos sistematizados e os conhecimentos do cotidiano popular. Essas são as fontes sócio-históricas do conhecimento em sua complexidade. Em breve retrospectiva histórica, é possível afirmar que, até o RENASCIMENTO, o que se entendia por Conhecimento se aproximava muito da noção de pensamento filosófico, o qual buscava uma explicação racional para o mundo e para os fenômenos naturais e sociais.



A filosofia permite um conhecimento racional, qual um exercício da “razão”.

[...] A partir do século VI a.C., passou a circunscrever todo o conhecimento da época em explicações racionais acerca do “cosmo”. A “razão” indagava a natureza e obtinha respostas a problemas teóricos, especulativos. Até o século XVI, o pensamento permaneceu imbuído da filosofia como instrumento do pensamento especulativo.

[...] Desta forma, a filosofia representou, até o advento da ciência moderna, a culminância de todos os esforços da racionalidade ocidental.

Era o saber por excelência; a filosofia e a ciência formavam um único campo racional (ARAUJO, 2003, p. 23-24).


Com o Renascimento e a emergência do sistema mercantilista de produção, entre outras influências, o pensamento ocidental sofreu modificações importantes relacionadas ao novo período histórico que se anunciava.
No final do século XVII, por exemplo, Isaac Newton, amparado nos estudos de Galileu, Tycho Brahe e Kepler, estabeleceu a primeira grande unificação dos estudos da Física relacionando os fenômenos físicos terrestres e celestes. Temas que eram objeto da filosofia, passaram a ser analisados pelo olhar da ciência empírica, de modo que “das explicações organizadas conforme o método científico, surgiram todas as ciências naturais” (ARAUJO, 2003, p. 24).
O conhecimento científico, então, foi se desvinculando do pensamento teocêntrico e os saberes necessários para explicar o mundo ficaram a cargo do ser humano, que explicaria a natureza por meio de leis, princípios, teorias, sempre na busca de uma verdade expressa pelo “método científico”.
A dimensão filosófica do conhecimento não desapareceu com o desenvolvimento da “razão científica”. Ambas caminharam no século XX, quando se observou a emergência de métodos próprios para as “ciências humanas”, que se emanciparam das “ciências naturais”. Assim, as dimensões filosófica e científica transformaram a concepção de ciência ao incluírem o elemento da interpretação ou significação que os sujeitos dão às suas ações – “o homem torna-se, ao mesmo tempo, objeto e sujeito do conhecimento”. Além disso, as “ciências humanas” desenvolveram a análise da formação, consolidação e superação das estruturas objetivas do humano na sua subjetividade e nas relações sociais.
Essas transformações, que se deram devido à expansão da vida urbana, à consolidação do padrão de vida burguesa e à formação de uma classe trabalhadora consciente de si, exigem investigações sobre a constituição do sujeito e do processo social. São as dimensões filosófica e humana do conhecimento que possibilitam aos cientistas perguntarem sobre as implicações de suas produções científicas. Assim, pensamento científico e filosófico constituem dimensões do conhecimento que não se confundem, mas não se devem separar.



Temas que foram objeto de especulação e reflexão


filosófica passaram daí por diante pelo crivo do olhar


objetivador da ciência. 


[...] As ciências passaram a fornecer explicação


sobre a estrutura do universo físico, sobre a 


constituição dos organismos e, mais recentemente, 


sobre o homem e a sociedade. A filosofia passou a


abranger setores cada vez mais restritos da


realidade, tendo, no entanto, se tornado cada vez


mais aguda em suas indagações; se não lhe é dado 


mais abordar o cosmo, pois a física e suas leis

e teorias o faz mais apropriadamente, o filósofo se 


volta para a situação atual e pergunta-se:

  •  O que faz de nós este ser que hoje somos?
  •  O que é o Saber?
  •  O que é o Conhecer?
  •  Como se dá a relação entre mente e mundo?

Por sua vez, a dimensão artística é fruto de uma relação específica do ser humano com o mundo e o conhecimento. Essa relação é materializada pela e na obra de arte, que “é parte integrante da realidade social, é elemento da estrutura de tal sociedade e expressão da produtividade social e espiritual do homem” (KOSIK, 2002, p. 139).

A obra de arte é constituída pela razão, pelos sentidos e pela transcendência da própria condição humana. Numa conhecida passagem dos Manuscritos econômico-filosóficos, “Karl Marx” argumenta que “o homem se afirma no mundo objetivo, não apenas no pensar, mas também com todos os sentidos” (MARX, 1987, p. 178) e os sentidos não são apenas naturais, biológicos e instintivos, mas também transformados pela cultura, humanizados. Para “Marx”, o Capitalismo e a Propriedade Privada determinam a alienação dos sentidos e do pensamento, reduzindo-os à dimensão do ter.
Portanto, a “emancipação humana plena” passa, necessariamente, pelo resgate dos sentidos e do pensamento.

Para o ouvido não musical a mais bela música não tem sentido algum, não é objeto. [...] A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda história universal até nossos dias. O sentido que é prisioneiro da grosseira necessidade prática tem apenas um sentido limitado (MARX, 1987, p. 178).

O conhecimento artístico tem como características centrais a “criação” e o “trabalho criador”. A arte é criação, qualidade distintiva fundamental da dimensão artística, pois criar “é fazer algo inédito, novo e singular, que expressa o sujeito criador e simultaneamente, transcende-o, pois o objeto criado é portador de conteúdo social e histórico e como objeto concreto é uma nova realidade social” (PEIXOTO, 2003, p. 39). Esta característica da arte ser criação é um elemento fundamental para a educação, pois a “Escolaé, a um só tempo, o espaço do conhecimento historicamente produzido pelo homem e espaço de construção de novos conhecimentos, no qual é imprescindível o processo de criação. Assim, o desenvolvimento da capacidade criativa dos alunos, inerente à dimensão artística, tem uma direta relação com a produção do conhecimento nas diversas disciplinas. Desta forma, a dimensão artística pode contribuir significativamente para humanização dos sentidos, ou seja, para a superação da condição de alienação e repressão à qual os sentidos humanos foram submetidos. A Arte concentra, em sua especificidade, conhecimentos de diversos campos, possibilitando um diálogo entre as disciplinas escolares e ações que favoreçam uma unidade no trabalho pedagógico. Por isso, essa dimensão do conhecimento deve ser entendida para além da disciplina de Arte, bem como as dimensões filosófica e científica não se referem exclusivamente à disciplina de Filosofia e às disciplinas científicas.
Essas dimensões do conhecimento constituem parte fundamental dos conteúdos nas disciplinas do currículo da Educação Básica.

3.1  O CONHECIMENTO E AS DISCIPLINAS CURRICULARES


Como Saber Escolar, o conhecimento se explicita nos conteúdos das disciplinas de tradição curricular, quais sejam: Arte, Biologia, Ciências, Educação Física, Ensino Religioso, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Estrangeira Moderna, Língua Portuguesa, Matemática, Química e Sociologia.
Nestas Diretrizes, destaca-se a importância dos Conteúdos Disciplinares e do Professor como autor de seu Plano de Ensino, contrapondo-se, assim, aos modelos de organização curricular que vigoraram na década de 1990, os quais esvaziaram os conteúdos disciplinares para dar destaque aos chamados “Temas Transversais”. Ainda hoje, a crítica à política de esvaziamento dos conteúdos disciplinares sofre constrangimentos em consequência dos embates ocorridos entre as diferentes Tendências Pedagógicas no século XX. Tais embates trouxeram para “[...] o discurso pedagógico moderno um certo complexo de culpa ao tratar o tema dos conteúdos” (SACRISTÁN, 2000, p. 120). A discussão sobre Conteúdos Curriculares passou a ser vista, por alguns, como uma defesa da escola como agência reprodutora da cultura dominante. Contudo, ...


[...] Sem conteúdo não há ensino, qualquer projeto educativo acaba se concretizando na aspiração de conseguir alguns efeitos nos sujeitos que se educam. Referindo-se estas afirmações ao tratamento científico do ensino, pode-se dizer que sem formalizar os problemas relativos aos conteúdos não existe discurso rigoroso nem científico sobre o ensino, porque estaríamos falando de uma atividade vazia ou com significado à margem do para que serve (SACRISTÁN, 2000, p. 120).


É preciso, também, ultrapassar a ideia e a prática da divisão do objeto didático pelas quais os conteúdos disciplinares são decididos e selecionados fora da escola, por outros agentes sociais. Quanto aos envolvidos no ambiente escolar, sobretudo aos professores, caberia apenas refletir e decidir sobre as técnicas de ensino.


[...] A reflexão sobre a justificativa dos conteúdos é para os professores um motivo exemplar para entender o papel que a escolaridade em geral cumpre num determinado momento e, mais especificamente, a função do nível ou especialidade escolar na qual trabalham. O que se ensina, sugere-se ou se obriga a aprender expressa valores e funções que a escola difunde num contexto social e histórico concreto (SACRISTÁN, 2000, p. 150).


As “disciplinas técnicas” dos cursos de Ensino Médio Integrado devem orientar-se, também, por essa compreensão de conhecimento, pois a ciência, a técnica e a tecnologia são frutos do trabalho e produtos da prática social. Participam, portanto, dos saberes das disciplinas escolares.
Os estudos sobre a história da produção do conhecimento, seus métodos e determinantes políticos, econômicos, sociais e ideológicos, relacionados com a história das disciplinas escolares e as teorias da aprendizagem, possibilitam uma fundamentação para o professor em discussões curriculares mais aprofundadas e alteram sua prática pedagógica. Nessa práxis, os professores participam ativamente da constante construção curricular e se fundamentam para organizar o trabalho pedagógico a partir dos conteúdos estruturantes de sua disciplina.
Entende-se por CONTEÚDOS ESTRUTURANTES os conhecimentos de grande amplitude, conceitos, teorias ou práticas, que identificam e organizam os campos de estudos de uma disciplina escolar, considerados fundamentais para a compreensão de seu objeto de estudo/ensino. Esses conteúdos são selecionados a partir de uma análise histórica da ciência de referência (quando for o caso) e da disciplina escolar, sendo trazidos para a escola para serem socializados, apropriados pelos alunos, por meio das metodologias críticas de ensino-aprendizagem. Por serem históricos, os CONTEÚDOS ESTRUTURANTES são frutos de uma construção que tem sentido social como conhecimento, ou seja, existe uma porção de conhecimento que é produto da cultura e que deve ser disponibilizado como conteúdo, ao estudante, para que seja apropriado, dominado e usado. Esse é o conhecimento instituído. Além desse saber instituído, pronto, entretanto, deve existir, no processo de ensino/aprendizagem, uma preocupação com o devir do conhecimento, ou seja, existem fenômenos e relações que a inteligência humana ainda não explorou na natureza. Portanto, de posse de alguns conhecimentos herdados culturalmente, o sujeito deve entender que isso não é todo o conhecimento possível que a inteligência tem e é capaz de ter do mundo, e que existe uma consciência, uma necessidade intrínseca e natural de continuar explorando o “não saber” (CHAUÍ, 1997), a natureza (VASQUEZ, 1997). Como seleção, tais conteúdos carregam uma marca política, são datados e interessados e, nesse sentido, alguns saberes disciplinares, considerados importantes no passado, podem estar, aqui, excluídos do campo de estudos da disciplina. Outros conteúdos estruturantes, ainda que mais recorrentes na história da disciplina, têm, nestas diretrizes, sua abordagem teórica reelaborada em função das transformações sociais, políticas, econômicas e culturais ocorridas recentemente. Ao vincular o conceito de conteúdo estruturante tanto a uma análise histórica quanto a uma opção política, considera-se que ...

O envelhecimento do conteúdo e a evolução de paradigmas na criação de saberes implica a seleção de elementos dessas áreas relativos à estrutura do saber, nos métodos de investigação, nas técnicas de trabalho, para continuar aprendendo e em diferentes linguagens. O conteúdo relevante de uma matéria é composto dos aspectos mais estáveis da mesma e daquelas capacidades necessárias para continuar tendo acesso e renovar o conhecimento adquirido (SACRISTÁN, 2000, p. 152-153).



Então, o conhecimento que identifica uma ciência e uma disciplina escolar é histórico, não é estanque, nem está cristalizado, o que caracteriza a natureza dinâmica e processual de todo e qualquer currículo. Assim, nessas diretrizes, reconhece-se que, além de seus conteúdos “mais estáveis”, as disciplinas escolares incorporam e atualizam conteúdos decorrentes do movimento das relações de produção e dominação que determinam relações sociais, geram pesquisas científicas e trazem para o debate questões políticas e filosóficas emergentes. Tais conteúdos, nas últimas décadas, vinculam-se tanto à diversidade étnico-cultural quanto aos problemas sociais contemporâneos e têm sido incorporados ao currículo escolar como temas que transversam as disciplinas, impostos a todas elas de forma artificial e arbitrária. Em contraposição a essa perspectiva, nestas diretrizes, propõe-se que esses temas sejam abordados pelas disciplinas que lhes são afins, de forma contextualizada, articulados com os respectivos objetos de estudo dessas disciplinas e sob o rigor de seus referenciais teórico-conceituais. Nessa concepção de Currículo, as disciplinas da Educação Básica terão, em seus conteúdos estruturantes, os campos de estudo que as identificam como conhecimento histórico. Dos CONTEÚDOS ESTRUTURANTES organizam-se os CONTEÚDOS BÁSICOS a serem trabalhados por série, compostos tanto pelos assuntos mais estáveis e permanentes da disciplina quanto pelos que se apresentam em função do movimento histórico e das atuais relações sociais. Esses conteúdos, articulados entre si e fundamentados nas respectivas orientações teórico-metodológicas, farão parte da proposta pedagógica curricular das escolas. A partir da proposta pedagógica curricular, o professor elaborará seu plano de trabalho docente, documento de autoria, vinculado à realidade e às necessidades de suas diferentes turmas e escolas de atuação. No plano, se explicitarão os conteúdos específicos a serem trabalhados nos bimestres, trimestres ou semestres letivos, bem como as especificações metodológicas que fundamentam a relação ensino/aprendizagem, além dos critérios e instrumentos que objetivam a avaliação no cotidiano escolar.

3.2  A INTERDISCIPLINARIDADE


Anunciar a opção político-pedagógica por um Currículo organizado em disciplinas que devem dialogar numa perspectiva interdisciplinar requer que se explicite qual concepção de interdisciplinaridade e de contextualização o fundamenta, pois esses conceitos transitam pelas diferentes matrizes curriculares, das conservadoras às críticas, há muitas décadas. Nestas diretrizes, as disciplinas escolares são entendidas como campos do conhecimento, identificam-se pelos respectivos conteúdos estruturantes e por seus quadros teóricos conceituais. Considerando esse constructo teórico, as disciplinas são o pressuposto para a interdisciplinaridade. A partir das disciplinas, as relações interdisciplinares se estabelecem quando:
•  conceitos, teorias ou práticas de uma disciplina são chamados à discussão e auxiliam a compreensão de um recorte de conteúdo qualquer de outra disciplina;
•  ao tratar do objeto de estudo de uma disciplina, buscam-se nos quadros conceituais de outras disciplinas referenciais teóricos que possibilitem uma abordagem mais abrangente desse objeto.
Desta perspectiva, estabelecer relações interdisciplinares não é uma tarefa que se reduz a uma readequação metodológica curricular, como foi entendido, no passado, pela pedagogia dos projetos. A interdisciplinaridade é uma questão epistemológica e está na abordagem teórica e conceitual dada ao conteúdo em estudo, concretizando-se na articulação das disciplinas cujos conceitos, teorias e práticas enriquecem a compreensão desse conteúdo.
No ensino dos conteúdos escolares, as relações interdisciplinares evidenciam, por um lado, as limitações e as insuficiências das disciplinas em suas abordagens isoladas e individuais e, por outro, as especificidades próprias de cada disciplina para a compreensão de um objeto qualquer.
Desse modo, explicita-se que as disciplinas escolares não são herméticas, fechadas em si, mas, a partir de suas especialidades, chamam umas às outras e, em conjunto, ampliam a abordagem dos conteúdos de modo que se busque, cada vez mais, a totalidade, numa prática pedagógica que leve em conta as dimensões científica, filosófica e artística do conhecimento. Tal pressuposto descarta uma interdisciplinaridade radical ou uma antidisciplinaridade, fundamento das correntes teóricas curriculares denominadas pós-modernas.

3.3 A CONTEXTUALIZAÇÃO  SÓCIO-HISTÓRICA


A Interdisciplinaridade está relacionada ao conceito de Contextualização Sócio-Histórica como princípio integrador do currículo. Isto porque ambas propõem uma articulação que vá além dos limites cognitivos próprios das disciplinas escolares, sem, no entanto, recair no relativismo epistemológico. Ao contrário, elas reforçam essas disciplinas ao se fundamentarem em aproximações conceituais coerentes e nos contextos sócio-históricos, possibilitando as condições de existência e constituição dos objetos dos conhecimentos disciplinares. De acordo com Ramos [p. 01, 2004?], ...



Sob algumas abordagens, a
 Contextualização, na pedagogia, é
 compreendida como a inserção do
 conhecimento disciplinar em uma
 realidade plena de vivências,
 buscando o enraizamento do
 conhecimento explícito na
 dimensão do conhecimento tácito.
 Tal enraizamento seria possível
 por meio do aproveitamento e da 
incorporação de relações
 vivenciadas e valorizadas nas
 quais os significados se originam, 
ou seja, na trama de relações em
 que a realidade é tecida.

Essa argumentação chama a atenção para a importância da práxis no processo pedagógico, o que contribui para que o conhecimento ganhe significado para o aluno, de forma que aquilo que lhe parece sem sentido seja problematizado e apreendido. É preciso, porém, que o professor tenha cuidado para não empobrecer a construção do conhecimento em nome de uma prática de contextualização. Reduzir a abordagem pedagógica aos limites da vivência do aluno compromete o desenvolvimento de sua capacidade crítica de compreensão da abrangência dos fatos e fenômenos. Daí a argumentação de que o contexto seja apenas o ponto de partida da abordagem pedagógica, cujos passos seguintes permitam o desenvolvimento do pensamento abstrato e da sistematização do conhecimento. Ainda de acordo com Ramos [p. 02, 2004?], ...


O processo de ensino-aprendizagem contextualizado é um importante meio de estimular a curiosidade e fortalecer a confiança do aluno. Por outro lado, sua importância está condicionada à possibilidade de [...] ter consciência sobre seus modelos de explicação e compreensão da realidade, reconhecê-los como equivocados ou limitados a determinados contextos, enfrentar o questionamento, colocá-los em cheque num processo de desconstrução de conceitos e reconstrução/apropriação de outros.


Para as teorias críticas, nas quais estas diretrizes se fundamentam, o conceito de contextualização propicia a formação de sujeitos históricos – alunos e professores – que, ao se apropriarem do conhecimento, compreendem que as estruturas sociais são históricas, contraditórias e abertas. É na abordagem dos conteúdos e na escolha dos métodos de ensino advindo das disciplinas curriculares que as inconsistências e as contradições presentes nas estruturas sociais são compreendidas. Essa compreensão se dá num processo de luta política em que estes sujeitos constroem sentidos múltiplos em relação a um objeto, a um acontecimento, a um significado ou a um fenômeno. Assim, podem fazer escolhas e agir em favor de mudanças nas estruturas sociais. É nesse processo de luta política que os sujeitos em contexto de escolarização definem os seus conceitos, valores e convicções advindos das classes sociais e das estruturas político-culturais em confronto. As propostas curriculares e conteúdos escolares estão intimamente organizados a partir desse processo, ao serem fundamentados por conceitos que dialogam disciplinarmente com as experiências e saberes sociais de uma comunidade historicamente situada. A contextualização na linguagem é um elemento constitutivo da contextualização sócio-histórica e, nestas diretrizes, vem marcada por uma concepção teórica fundamentada em Mikhail Bakhtin. Para ele, o contexto sócio-histórico estrutura o interior do diálogo da corrente da comunicação verbal entre os sujeitos históricos e os objetos do conhecimento. Trata-se de um dialogismo que se articula à construção dos acontecimentos e das estruturas sociais, construindo a linguagem de uma comunidade historicamente situada. Nesse sentido, as ações dos sujeitos históricos produzem linguagens que podem levar à compreensão dos confrontos entre conceitos e valores de uma sociedade. Essas ideias relativas à contextualização sócio-histórica vão ao encontro da afirmação de Ivor Goodson de que o currículo é um artefato construído socialmente e que nele o conhecimento pode ser prático, pedagógico e “relacionado com um processo ativo” desde que contextualizado de maneira dialética a uma “construção teórica mais geral” (GOODSON, 1995, p. 95). Assim, para o currículo da Educação Básica, contexto não é apenas o entorno contemporâneo e espacial de um objeto ou fato, mas é um elemento fundamental das estruturas sócio-históricas, marcadas por métodos que fazem uso, necessariamente, de conceitos teóricos precisos e claros, voltados à abordagem das experiências sociais dos sujeitos históricos produtores do conhecimento.



  4.  AVALIAÇÃO


No processo educativo, a avaliação deve se fazer presente, tanto como meio de diagnóstico do processo ensino-aprendizagem quanto como instrumento de investigação da prática pedagógica. Assim a avaliação assume uma dimensão formadora, uma vez que, o fim desse processo é a aprendizagem, ou a verificação dela, mas também permitir que haja uma reflexão sobre a ação da prática pedagógica. Para cumprir essa função, a avaliação deve possibilitar o trabalho com o novo, numa dimensão criadora e criativa que envolva o ensino e a aprendizagem.
Desta forma, se estabelecerá o verdadeiro sentido da avaliação:

 “acompanhar o desempenho no presente, orientar as possibilidades de desempenho futuro e mudar as práticas insuficientes, apontando novos caminhos para superar problemas e fazer emergir novas práticas educativas (LIMA, 2002).”

 No cotidiano escolar, a avaliação é parte do trabalho dos professores. Tem por objetivo proporcionar-lhes subsídios para as decisões a serem tomadas a respeito do processo educativo que envolve professor e aluno no acesso ao conhecimento. É importante ressaltar que a avaliação se concretiza de acordo com o que se estabelece nos documentos escolares como o Projeto Político Pedagógico e, mais especificamente, a Proposta Pedagógica Curricular e o Plano de Trabalho Docente, documentos necessariamente fundamentados nas Diretrizes Curriculares. Esse projeto e sua realização explicitam, assim, a concepção de escola e de sociedade com que se trabalha e indicam que sujeitos se quer formar para a sociedade que se quer construir.
Nestas Diretrizes Curriculares para a Educação Básica, propõe-se formar sujeitos que construam sentidos para o mundo, que compreendam criticamente o contexto social e histórico de que são frutos e que, pelo acesso ao conhecimento, sejam capazes de uma inserção cidadã e transformadora na sociedade. A avaliação, nesta perspectiva, visa contribuir para a compreensão das dificuldades de aprendizagem dos alunos, com vistas às mudanças necessárias para que essa aprendizagem se concretize e a escola se faça mais próxima da comunidade, da sociedade como um todo, no atual contexto histórico e no espaço onde os alunos estão inseridos. Não há sentido em processos avaliativos que apenas constatam o que o aluno aprendeu ou não aprendeu e o fazem refém dessas constatações, tomadas como sentenças definitivas. Se a proposição curricular visa à formação de sujeitos que se apropriam do conhecimento para compreender as relações humanas em suas contradições e conflitos, então a ação pedagógica que se realiza em sala de aula precisa contribuir para essa formação.
Para concretizar esse objetivo, a avaliação escolar deve constituir um projeto de futuro social, pela intervenção da experiência do passado e compreensão do presente, num esforço coletivo a serviço da ação pedagógica, em movimentos na direção da aprendizagem do aluno, da qualificação do professor e da escola. Nas salas de aula, o professor é quem compreende a avaliação e a executa como um projeto intencional e planejado, que deve contemplar a expressão de conhecimento do aluno como referência uma aprendizagem continuada. No cotidiano das aulas, isso significa que:
•  é importante a compreensão de que uma atividade de avaliação situa-se entre a intenção e o resultado e que não se diferencia da atividade de ensino, porque ambas têm o intuito de ensinar;
• no Plano de Trabalho Docente, ao definir os conteúdos específicos trabalhados naquele período de tempo, já se definem os critérios, estratégias e instrumentos de avaliação, para que professor e alunos conheçam os avanços e as dificuldades, tendo em vista a reorganização do trabalho docente;
• os critérios de avaliação devem ser definidos pela intenção que orienta o ensino e explicitar os propósitos e a dimensão do que se avalia.
• Assim, os critérios são um elemento de grande importância no processo avaliativo, pois articulam todas as etapas da ação pedagógica; 
• os enunciados de atividades avaliativas devem ser claros e objetivos. Uma resposta insatisfatória, em muitos casos, não revela, em princípio, que o estudante não aprendeu o conteúdo, mas simplesmente que ele não entendeu o que lhe foi perguntado. Nesta circunstância, o difícil não é desempenhar a tarefa solicitada, mas sim compreender o que se pede; 
• os instrumentos de avaliação devem ser pensados e definidos de acordo com as possibilidades teórico-metodológicas que oferecem para avaliar os critérios estabelecidos. Por exemplo, para avaliar a capacidade e a qualidade argumentativa, a realização de um debate ou a produção de um texto serão mais adequados do que uma prova objetiva; 
• a utilização repetida e exclusiva de um mesmo tipo de instrumento de avaliação reduz a possibilidade de observar os diversos processos cognitivos dos alunos, tais como: memorização, observação, percepção, descrição, argumentação, análise crítica, interpretação, criatividade, formulação de hipóteses, entre outros; 
• uma atividade avaliativa representa, tão somente, um determinado momento e não todo processo de ensino-aprendizagem; 
• a recuperação de estudos deve acontecer a partir de uma lógica simples: os conteúdos selecionados para o ensino são importantes para a formação do aluno, então, é preciso investir em todas as estratégias e recursos possíveis para que ele aprenda. 

 A recuperação é justamente isso: o esforço deretomar, de voltar ao conteúdo, de modificar os encaminhamentos metodológicos, para assegurar a possibilidade de aprendizagem. Nesse sentido, a recuperação da nota é simples decorrência da recuperação de conteúdo. Assim, a avaliação do processo ensino-aprendizagem, entendida como questão metodológica, de responsabilidade do professor, é determinada pela perspectiva de investigar para intervir. A seleção de conteúdos, os encaminhamentos metodológicos e a clareza dos critérios de avaliação elucidam a intencionalidade do ensino, enquanto a diversidade de instrumentos e técnicas de avaliação possibilita aos estudantes variadas oportunidades e maneiras de expressar seu conhecimento. Ao professor, cabe acompanhar a aprendizagem dos seus alunos e o desenvolvimento dos processos cognitivos. Por fim, destaca-se que a concepção de avaliação que permeia o currículo não pode ser uma escolha solitária do professor. A discussão sobre a avaliação deve envolver o coletivo da escola, para que todos (direção, equipe pedagógica, pais, alunos) assumam seus papéis e se concretize um trabalho pedagógico relevante para a formação dos alunos.



 DIRETRIZES CURRICULARES DE
EDUCAÇÃO FÍSICA 


                                                                                
1. DIMENSÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO FÍSICA                                                 
                                                                                

A fim de situar historicamente a disciplina de Educação Física no Brasil, optou-se, nestas Diretrizes Curriculares, por retratar os movimentos que a constituíram como componente curricular.
As primeiras sistematizações que o conhecimento sobre as práticas corporais recebe em solo nacional ocorrem a partir de teorias oriundas da Europa. Sob a égide de conhecimentos médicos e da instrução física militar, a então denominada “Ginástica” surgiu, principalmente, a partir de uma preocupação com o desenvolvimento da saúde e a formação moral dos cidadãos brasileiros. Esse modelo de prática corporal pautava-se em prescrições de exercícios visando ao aprimoramento de capacidades e habilidades físicas como a força, a destreza, a agilidade e a resistência, além de visar à formação do caráter, da autodisciplina, de hábitos higiênicos, do respeito à hierarquia e do sentimento patriótico.
O conhecimento da medicina configurou um outro modelo para a sociedade brasileira, o que contribuiu para a construção de uma nova ordem econômica, política e social. “Nesta nova ordem, na qual os médicos higienistas irão ocupar lugar destacado, também se coloca a necessidade de construir, para o Brasil, um novo homem, sem o qual a nova sociedade idealizada não se tornaria realidade” (SOARES, 2004, p. 70).
No contexto referido acima, a educação física ganha espaço na escola, uma vez que o físico disciplinado era exigência da nova ordem em formação. A educação do físico confundia-se com a prática da ginástica, pois incluía exercícios físicos baseados nos moldes médico-higiênicos.
Com a proclamação da República, veio a discussão sobre as instituições escolares e as políticas educacionais.

O século XIX foi o século que difundiu a instrução pública e Rui Barbosa foi influenciado pelas discussões de sua época. Tanto que, empenhado num projeto de modernização do país, interessou-se pela criação de um sistema nacional de ensino – gratuito, obrigatório e laico, desde o jardim de infância até a universidade. Para elaboração do seu projeto buscou inspiração em países onde a escola pública estava sendo difundida, procurando demonstrar os benefícios alcançados com a sua criação. Para fundamentar sua análise recorreu às estatísticas escolares, livros, métodos, mostrando que a educação, nesses países, revelava-se alavanca de desenvolvimento. Suas ideias acerca desta questão estão claramente redigidas nos seus famosos pareceres sobre educação (MACHADO, 2000, p. 03).

No ano de 1882, Rui Barbosa emitiu o parecer nº. 224, sobre a Reforma Leôncio de Carvalho, decreto n. 7.247, de 19 de abril de 1879, da Instrução Pública. Entre outras conclusões, afirmou a importância da ginástica para a formação de corpos fortes e cidadãos preparados para defender a Pátria, equiparando-a, em reconhecimento, às demais disciplinas (SOARES, 2004). Conforme consta no próprio parecer, “[...] com a medida proposta, não pretendemos formar nem acrobatas nem Hércules, mas desenvolver na criança o quantum de vigor físico essencial ao equilíbrio da vida humana, à felicidade da alma, à preservação da Pátria e à dignidade da espécie” (QUEIRÓS apud CASTELLANI FILHO, 1994, p. 53).
No início do século XX, especificamente a partir de 1929, a disciplina de Educação Física tornou-se obrigatória nas instituições de ensino para crianças a partir de 6 anos de idade e para ambos os sexos, por meio de um anteprojeto publicado pelo então Ministro da Guerra, General Nestor Sezefredo Passos.

Propõe também a criação do Conselho Superior de Educação Física com o objetivo de centralizar, coordenar e fiscalizar as atividades referentes ao Desporto e à Educação Física no país e também a elaboração do Método Nacional de Educação Física (LEANDRO, 2002, p. 34).

Isso representa o quanto a ...
Educação Física no Brasil se confunde em muitos momentos de sua história com as instituições médicas e militares. Em diferentes momentos, essas instituições definiram seu caminho, delineando e delimitando seu campo de conhecimento, tornando-a um valioso instrumento de ação e de intervenção na realidade educacional e social [...] (SOARES, 2004, p. 69).

Esse período histórico foi marcado pelo esforço de construção de uma unidade nacional, o que contribuiu sobremaneira para intensificar o forte componente militar nos métodos de ensino da Educação Física nas escolas brasileiras.
As relações entre a institucionalização da disciplina de Educação Física no Brasil e a influência da ginástica, explicitam-se em alguns marcos históricos, dentre eles:
       I. a criação do “Regulamento da Instrução Física Militar” (Método Francês), em 1921;
     II. a obrigatoriedade da prática da ginástica nas instituições de ensino, em 1929;    
I     III.  a adoção oficial do método Francês2, em 1931, no ensino secundário;
       IV. a criação da Escola de Educação Física do Exército, em 1933, e a criação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil, em 1939.
O Método Ginástico Francês, que contribuiu para construir e legitimar a Educação Física nas escolas brasileiras estava fortemente ancorado nos conhecimentos advindos da anatomia e da fisiologia, cunhados de uma visão positivista da ciência, isto é, um conhecimento científico e técnico considerado superior a outras formas de conhecimento, e que deveria ser referência para consolidação de um projeto de modernização do país.
Preponderando uma visão mecanicista e instrumental sobre o corpo, o método ginástico francês priorizava o desenvolvimento da mecânica corporal. Conforme esse modelo, melhorar o funcionamento do corpo e a eficiência do gasto energético dependia de técnicas que atribuíam à Educação Física a tarefa de formar corpos saudáveis e disciplinados, possibilitando a formação de seres humanos aptos para adaptarem-se ao processo de industrialização que se iniciava no Brasil (SOARES, 2004).
No final da década de 1930, o esporte começou a se popularizar e, não por acaso, passou a ser um dos principais conteúdos trabalhados nas aulas de Educação Física. Com o intuito de promover políticas nacionalistas, houve um incentivo às práticas desportivas como a criação de grandes centros esportivos, a importação de especialistas que dominavam as técnicas de algumas modalidades esportivas e a criação do Conselho Nacional dos Desportos, em 1941.
No final da década de 1930 e início da década de 1940, ocorreu o que o Conselho denomina como um processo de “desmilitarização” da Educação Física brasileira, isto é, a predominância da instrução física militar começou a ser sobreposta por outras formas de conhecimento sobre o corpo e, com o fim da II Guerra Mundial, teve início um intenso processo de difusão do esporte na sociedade e, consequentemente, nas escolas brasileiras. O esporte ...
[...] Afirma-se paulatinamente em todos os países sob a influência da cultura europeia, como o elemento hegemônico da cultura de movimento. No Brasil as condições para o desenvolvimento do esporte, quais sejam, o desenvolvimento industrial com a consequente urbanização da população e dos meios de comunicação de massa, estavam agora, mais do que antes, presentes. Outro aspecto importante é a progressiva esportivização de outros elementos da cultura de movimento, sejam elas vindas do exterior como o judô ou o karatê, ou genuinamente brasileiras como a capoeira (BRACHT, 1992, p. 22).
No início da década de 1940, o governo brasileiro estabeleceu as bases da organização desportiva brasileira instituindo o Conselho Nacional de Desportos, com o intuito de orientar, fiscalizar e incentivar a prática desportiva em todo o país (LEANDRO, 2002, p. 58).
Nesse contexto, as aulas de Educação Física assumiram os códigos esportivos do rendimento, competição, comparação de recordes, regulamentação rígida e a racionalização de meios e técnicas. Trata-se não mais do “esporte da escola”, mas sim do “esporte na escola”. Isto é, os professores de Educação Física se encarregaram de reproduzir os códigos esportivos nas aulas, sem se preocupar com a reflexão crítica desse conhecimento. A escola tornou-se um celeiro de atletas, a base da pirâmide esportiva (BRACHT, 1992, p. 22).
Com a promulgação da Nova Constituição e a instalação efetiva do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, a prática de exercícios físicos em todos os estabelecimentos de ensino tornou-se obrigatória. Entre os anos de 1937 e 1945, o então presidente Getúlio Vargas estruturou o Estado no sentido de incentivar a intervenção estatal e o nacionalismo econômico.

Durante o Estado Novo implantado em 1937, a Educação Física sofreu grande inquietação. Encarada pelos militares como uma arma na estruturação humana, entendiam que a maneira como o corpo é educado é resultado direto das normas sociais impostas, que definem consequentemente a estruturação da sociedade, que através dos seus gestos ou ações motoras revelam a natureza do sistema social. Os militares fazem então um grande investimento na política esportiva, certos de que assim teríamos uma nítida melhoria da saúde do povo brasileiro, tendo consequentemente mais homens aptos ao serviço militar, que nesta época continha uma grande quantidade de jovens dispensados por incapacidade física (LEANDRO, 2002, p. 43).

No contexto das reformas educacionais sob a atuação do ministro Gustavo Capanema, a Lei Orgânica do Ensino Secundário, promulgada em 09 de abril de 1942, demarcou esse cenário ao permitir a entrada das práticas esportivas na escola, dividindo um espaço até então predominantemente configurado pela instrução militar.
Com tais reformas, a Educação Física tornou-se uma prática educativa obrigatória, desta vez com carga horária estipulada de três sessões semanais para meninos e duas para meninas, tanto no ensino secundário quanto no industrial, e com duração de 30 e 45 minutos por sessão (CANTARINO FILHO, 1982).
A Lei Orgânica do Ensino Secundário permaneceu em vigor até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 4.024/61, em 1961.
Com o golpe militar no Brasil, em 1964, o esporte passou a ser tratado com maior ênfase nas escolas, especialmente durante as aulas de Educação Física. De acordo com algumas teorizações da historiografia ...

Isso teria ocorrido em parte, porque numa certa perspectiva o esporte codificado, normatizado e institucionalizado pode responder de forma bastante significativa aos anseios de controle por parte do poder, uma vez que tende a padronizar a ação dos agentes educacionais, tanto do professor quanto do aluno; noutra, porque o esporte se afirmava como fenômeno cultural de massa contemporâneo e universal, afirmando-se, portanto, como possibilidade educacional privilegiada. Assim, o conjunto de práticas corporais passíveis de serem abordadas e desenvolvidas no interior da escola resumiu-se à prática de algumas modalidades esportivas. As práticas escolares de Educação Física passaram a ter como fundamento primeiro a técnica esportiva, o gesto técnico, a repetição, enfim, a redução das possibilidades corporais a algumas poucas técnicas estereotipadas (OLIVEIRA, 2001, p. 33).

Ocorreram, ainda, outras reformas educacionais no Brasil, em particular o chamado acordo do Ministério da Educação e Cultura - MEC/United States Agency International for Development – USAID (MEC-USAID).
Esse fato permitiu que muitos professores dessa área de conhecimento frequentassem, nos Estados Unidos, cursos de pós-graduação cujos fundamentos teóricos sobre o movimento humano pautavam-se na visão positivista das ciências naturais, isto é, na prática esportiva e na aptidão física. Nesse contexto, o esporte consolidou sua hegemonia como objeto principal nas aulas de Educação Física, em currículos nos quais o enfoque pedagógico estava centrado na competição e na performance dos alunos.
Os chamados “Esportes Olímpicos” – Vôlei, Basquete, Handebol E Atletismo, entre outros – foram priorizados para formar atletas que representassem o país em competições internacionais. Tal preferência sustentava-se na “Teoria da Pirâmide Olímpica”, isto é, a escola deveria funcionar como um celeiro de atletas, tornar-se a base da pirâmide para seleção e descoberta de talentos nos esportes de elite nacional.
Predominava o interesse na formação de atletas que apresentassem “talento natural”, de modo que se destacavam, até chegar ao topo da pirâmide, aqueles considerados de alto nível, prontos para representar o país em competições nacionais e internacionais. A ideia de talento esportivo substanciava-se num entendimento naturalizante dos processos sociais que constituem os seres humanos, como se as características biológicas individuais fossem preponderantes frente às oportunidades que cada um possui no decorrer de sua história de vida.
Na década de 70, a Lei n. 5692/71, por meio de seu artigo 7º e pelo Decreto n. 69450/71, manteve o caráter obrigatório da disciplina de Educação Física nas escolas, passando a ter uma legislação específica e sendo integrada como atividade escolar regular e obrigatória no currículo de todos os cursos e níveis dos sistemas de ensino. Conforme consta no Capítulo I, Art. 7º da Lei n. 5692/71, “será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-lei n. 869, de 12 de setembro de 1969” (BRASIL, 1971).
Ainda nesse período, aos olhos do Regime Militar, a Educação Física era um importante recurso para consolidação do projeto “Brasil-Grande” (BRACHT, 1992). Através da prática de exercícios físicos visando ao desenvolvimento da aptidão física dos alunos, seria possível obter melhores resultados nas competições esportivas e, consequentemente, consolidar o país como uma potência olímpica, elevando seu status político e econômico.
Tal concepção de Educação Física escolar de caráter esportivo foi duramente criticada pela corrente pedagógica da psicomotricidade que surgia no mesmo período.

Baseada na interdependência do desenvolvimento cognitivo e motor, (a Abordagem Psicomotora) critica o dualismo predominante na Educação Física, e propõe-se, a partir de jogos de movimento e exercitações, contribuir para a Educação Integral [...] Com a Psicomotricidade, temos um deslocamento da polarização da Educação do movimento para a Educação pelo movimento, ficando a primeira nitidamente em segundo plano (BRACHT, 1992, p. 27).

A perspectiva esportiva da Educação Física Escolar recebeu uma forte crítica da corrente da psicomotricidade cujos fundamentos se contrapunham às perspectivas teórico-metodológicas baseadas no modelo didático da esportivização. Tais fundamentos valorizavam a formação integral da criança, acreditando que esta se dá no desenvolvimento interdependente de aspectos cognitivos, afetivos e motores.
Entretanto, a psicomotricidade não estabeleceu um novo arcabouço de conhecimento para o ensino da Educação Física, e as práticas corporais, entre elas o esporte, continuaram a ser tratadas, tão-somente, como meios para a educação e disciplina dos corpos, e não como conhecimentos a serem sistematizados e transmitidos no ambiente escolar.
Além disso, a Educação Física ficou, em alguns casos, subordinada a outras disciplinas escolares, tornando-se um elemento colaborador para o aprendizado de conteúdos diversos àqueles próprios da disciplina (SOARES, 1996, p. 09).
Com o movimento de abertura política e o início de um processo de redemocratização social, que culminou com o fim da Ditadura Militar em meados dos anos de 1980, o sistema educacional brasileiro passou por um processo de reformulação.
Nesse período, a comunidade científica da Educação Física se fortaleceu com a expansão da pós-graduação nessa área no Brasil. Esse movimento possibilitou a muitos professores uma formação não mais restrita às ciências naturais e biológicas.
Com a abertura de cursos na área de humanas, principalmente em educação, novas tendências ou correntes de ensino da Educação Física, cujos debates evidenciavam severas críticas ao modelo vigente até então, passaram a subsidiar as teorizações dessa disciplina escolar (DAÓLIO, 1997, p. 28).
Houve um movimento de renovação do pensamento pedagógico da Educação Física que trouxe várias proposições e interrogações acerca da legitimidade dessa disciplina como campo de conhecimento escolar. Tais propostas dirigiram críticas aos paradigmas da aptidão física e da esportivização (BRACHT, 1999). Entre as correntes ou Tendências Progressistas, destacaram-se as seguintes abordagens:


•  Desenvolvimentista: defende a ideia de que o movimento é o principal meio e fim da Educação Física. Constitui o ensino de habilidades motoras de acordo com uma sequência de desenvolvimento. Sua base teórica é, essencialmente, a psicologia do desenvolvimento e aprendizagem;


Construtivista: defende a formação integral sob a perspectiva construtivista-interacionista. Inclui as dimensões afetivas e cognitivas ao movimento humano. Embora preocupada com a cultura infantil, essa abordagem se fundamenta também na psicologia do desenvolvimento.
Vinculadas às discussões da pedagogia crítica brasileira e às análises das ciências humanas, sobretudo da Filosofia da Educação e Sociologia, estão as concepções críticas da Educação Física. O que as diferencia daquelas descritas anteriormente é o fato de que as abordagens crítico-superadora e crítico-emancipatória, descritas abaixo, operam a crítica da Educação Física a partir de sua contextualização na sociedade capitalista.

Crítico-superadora: baseia-se nos pressupostos da pedagogia histórico-critica e estipula, como objeto da Educação Física, a “Cultura Corporal” a partir de conteúdos como: o esporte, a ginástica, os jogos, as lutas e a dança. O conceito de Cultura Corporal tem como suporte a ideia de seleção, organização e sistematização do conhecimento acumulado historicamente, acerca do movimento humano, para ser transformado em saber escolar. Esse conhecimento é sistematizado em ciclos e tratado de forma “historicizada” e “espiralada”. Isto é, partindo do pressuposto de que os alunos possuem um conhecimento sincrético sobre a realidade, é função da escola, e neste caso também da Educação Física, garantir o acesso às variadas formas de conhecimentos produzidos pela humanidade, levando os alunos a estabelecerem nexos com a realidade, elevando-os a um grau de conhecimento sintético. Nesse sentido, o “tratamento espiralar” representa o retomar, integrar e dar continuidade ao conhecimento nos diferentes níveis de ensino, ampliando sua compreensão conforme o grau de complexidade dos conteúdos. Por exemplo: um mesmo conteúdo específico, como a Ginástica Geral, pode ser abordado em diferentes níveis de ensino, desde que se garanta sua relação com aquilo que já foi conhecido, elevando esse conhecimento para um nível mais complexo. A abordagem metodológica crítico-superadora foi criada no início da década de 90 por um grupo de pesquisadores tradicionalmente denominados por Coletivo de Autores. São eles: Carmen Lúcia Soares, Celi Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht.

Crítico-Emancipatória: Nessa perspectiva, o movimento humano em sua expressão é considerado significativo no processo de ensino/aprendizagem, pois está presente em todas as vivências e relações expressivas que constituem o “ser no mundo”. Nesse sentido, parte do entendimento de que a expressividade corporal é uma forma de linguagem pela a qual o ser humano se relaciona com o meio, tornado-se sujeito a partir do reconhecimento de si no outro. Esse processo comunicativo, também descrito como dialógico, é um ponto central na abordagem crítico-emancipatória. A principal corrente teórica que sustenta essa abordagem metodológica é a Fenomenologia, desenvolvida por Merleau Ponty. A concepção crítico-emancipatória foi criada, na década de 90, pelo pesquisador Elenor Kunz.11

No contexto das teorizações críticas em Educação e Educação Física, no final da década de 1980 e início de 1990, no Estado do Paraná, tiveram início as discussões para a elaboração do Currículo Básico.

O Currículo Básico para a escola pública do Estado do Paraná surgiu, na década de 90, como o principal documento oficial relacionado à educação básica no Estado do Paraná. O documento foi aprovado pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná, através da Deliberação nº 02/90 de 18 de dezembro de 1990, do processo 384/90. Conforme consta no Currículo Básico, sua primeira edição teve uma tiragem de noventa mil exemplares, que foram distribuídos para maior parte das escolas públicas do Estado do Paraná. Isso demonstra a extensão que atingiu este documento, que passou a legislar em todas as escolas públicas do Paraná, com grande influência sobre as práticas escolares (NAVARRO, 2007, p. 48).

Esse processo envolveu profissionais comprometidos com a Educação Pública do Paraná, deu-se num contexto nacional de redemocratização do país e resultou em um documento que pretendia responder a demandas sociais e históricas da educação brasileira.
Os embates educacionais oriundos desse período, posterior ao Regime Militar, consolidaram-se nos Documentos Oficiais sobre Educação no Brasil, dentre eles, o próprio Currículo Básico do Estado do Paraná que, com um viés critico, apresentava um discurso preocupado com a formação de seres humanos capazes de questionar e transformar a realidade social em que vivem.
O Currículo Básico, para a Educação Física, fundamentava-se na pedagogia histórico-crítica, identificando-se numa perspectiva progressista e crítica sob os pressupostos teóricos do materialismo histórico-dialético.
O Currículo Básico foi produzido num período de emergência, na educação, do chamado “discurso crítico”. Esse discurso pretendia reformular a educação e, consequentemente, a disciplina de Educação Física, a partir de reflexões históricas e sociais que desvelassem os mecanismos de desigualdade social e econômica, para então legitimar e concretizar um projeto de transformação social. O objetivo central da criação do Currículo Básico foi o projeto de reestruturação do currículo das escolas públicas do Paraná [...] (NAVARRO, 2007, p. 49).
Esse documento caracterizou-se por ser uma proposta avançada em que o mero exercício físico deveria dar lugar a uma formação humana do aluno em amplas dimensões. O reflexo desse contexto para a Educação Física configurou-se em um projeto escolar que possibilitasse a tomada de consciência dos educandos sobre seus próprios corpos, não no sentido biológico, mas especialmente em relação ao meio social em que vivem. Dessa forma ...
“É necessário procurar entender a dialética de desenvolvimento e aperfeiçoamento do corpo na história e na sociedade brasileira, para que a Educação Física saia de sua condição passiva de coadjuvante do processo educacional, para ser parte integrante deste, buscando colocá-la em seu verdadeiro espaço: o de área do conhecimento. Quando discutimos, hoje, a Educação Física dentro da tendência Histórico-Crítica, verificamos que em sua ação pedagógica, ela deve buscar elementos (chamados aqui de pressupostos do movimento) da Ciência da Motricidade Humana (conforme proposta do filósofo português: Prof. Manuel Sérgio). Esta ciência trata da compreensão e explicação do movimento humano e há dificuldade de compreender e apreender os elementos buscados nesta ciência, uma vez que as raízes históricas da Educação Física brasileira, estão postas dentro de um regime militar rígido e autoritário, visando fins elitistas e hegemônicos. Por outro lado, na dinâmica da sociedade capitalista, ela sempre esteve atrelada às relações capital x trabalho para dominação das classes trabalhadoras (PARANÁ, 1990, p. 175).”
No entanto, o Currículo Básico apresentava uma rígida listagem de conteúdos, os quais eram denominados pressupostos do movimento (condutas motoras de base ou formas básicas de movimento; condutas neuro-motoras; esquema corporal; ritmo; aprendizagem objeto-motora), esses enfraqueciam os pressupostos teórico-metodológicos da pedagogia crítica, pois o enfoque permaneceu privilegiando abordagens como a desenvolvimentista, construtivista e psicomotora (FRATTI, 2001; NAVARRO, 2007).
No mesmo período, foi elaborado o documento intitulado Reestruturação da Proposta Curricular do Ensino de Segundo Grau, também para a disciplina de Educação Física. Assim como antes, a proposta foi fundamentada na concepção histórico-crítica de educação para resgatar o compromisso social da ação pedagógica da Educação Física. Vislumbrava-se a transformação de uma sociedade fundada em valores individualistas, em uma sociedade com menor desigualdade social.
Essa proposta representou um marco para a disciplina, destacou a dimensão social da Educação Física e possibilitou a consolidação de um novo entendimento em relação ao movimento humano, como expressão da identidade corporal, como prática social e como uma forma do homem se relacionar com o mundo. A proposta valorizou a produção histórica e cultural dos povos, relativa à ginástica, à dança, aos esportes, aos jogos e às atividades que correspondem às características regionais.
A rigidez na escolha dos conteúdos, a insuficiente oferta de formação continuada para consolidar a proposta e, depois, as mudanças de políticas públicas em educação trazidas pelas novas gestões governamentais, a partir de meados dos anos de 1990, dificultaram a implementação dos fundamentos teóricos e políticos do Currículo Básico na prática pedagógica. Por isso, o ensino da Educação Física na escola se manteve, em muitos aspectos, em suas dimensões tradicionais, ou seja, com enfoque exclusivamente no desenvolvimento das aptidões físicas, de aspectos psicomotores e na prática esportiva.
Os avanços teóricos da Educação Física sofreram retrocesso na década de 1990 quando, após a discussão e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9394/96), o Ministério da Educação (MEC) apresentou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para a disciplina de Educação Física, que passaram a subsidiar propostas curriculares nos Estados e Municípios brasileiros. O que deveria ser um referencial curricular tornou-se um currículo mínimo, para além da ideia de parâmetros, e propôs objetivos, conteúdos, métodos, avaliação e temas transversais.
No que se refere à disciplina de Educação Física, a introdução dos temas transversais acarretou, sobretudo, num esvaziamento dos conteúdos próprios da disciplina. Temas como ética, meio ambiente, saúde e educação sexual tornaram-se prioridade no currículo, em detrimento do conhecimento e reflexão sobre as práticas corporais historicamente produzidas pela humanidade, entendidos aqui como objeto principal da Educação Física.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) foram elaborados para atender a um artigo da Constituição que prevê o estabelecimento de conteúdos mínimos para a educação (...) não levando em conta a realidade social dos homens, colocando a educação como solução para os problemas sociais e aos homens a responsabilidade de seu sucesso ou fracasso na vida. Esse documento se apresenta como flexível e optativo, embora, pela forma como foi minuciosamente elaborado, se denuncie todo o tempo como descritivo e específico no seu conteúdo, estimulando a sua incorporação e apresentando-se como verdade absoluta (MARTINS E NOMA, 2002, p. 05).

Acusados por alguns críticos de proporem um ecletismo teórico, os PCN não apresentaram uma coerência interna de proposta curricular. Ou seja, continham elementos da pedagogia construtivista piagetiana, psicomotora, da abordagem tecnicista, sob a ideia de eficiência e eficácia no esporte e, também, defendia o conceito de saúde e qualidade de vida do aluno pautado na perspectiva da aptidão física. Nessa tentativa de absorver o maior número possível de concepções teóricas, o documento acabava tratando tais teorizações de forma aligeirada, deixando, inclusive, de destacar os autores responsáveis pelas diferentes abordagens.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física para o Ensino Fundamental abandonaram as perspectivas da aptidão física fundamentadas em aspectos técnicos e fisiológicos, e destacaram outras questões relacionadas às dimensões culturais, sociais, políticas, afetivas no tratamento dos conteúdos, baseadas em concepções teóricas relativas ao corpo e ao movimento.
Já nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, os conhecimentos da Educação Física perderam centralidade e importância em favor dos temas transversais e da pedagogia das competências e habilidades, as quais receberam destaque na proposta.

Apesar de sua redação aparentemente progressista, pode-se dizer que os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física para o Ensino Fundamental e Médio constituíram uma proposta teórica incoerente. As diversas concepções pedagógicas ali apresentadas valorizaram o individualismo e a adaptação do sujeito à sociedade, ao invés de construir e oportunizar o acesso a conhecimentos que possibilitem aos educandos a formação crítica.
Diante da análise de algumas das abordagens teóricas que sustentaram historicamente as teorizações em Educação Física escolar no Brasil, desde as mais reacionárias até as mais críticas, opta-se, nestas Diretrizes Curriculares, por interrogar a hegemonia que entende esta disciplina tão-somente como treinamento do corpo, sem nenhuma reflexão sobre o fazer corporal.
Dentro de um projeto mais amplo de educação do Estado do Paraná, entende-se a escola como um espaço que, dentre outras funções, deve garantir o acesso aos alunos ao conhecimento produzido historicamente pela humanidade.
Nesse sentido, partindo de seu objeto de estudo e de ensino, Cultura Corporal, a Educação Física se insere neste projeto ao garantir o acesso ao conhecimento e à reflexão crítica das inúmeras manifestações ou práticas corporais historicamente produzidas pela humanidade, na busca de contribuir com um ideal mais amplo de formação de um ser humano crítico e reflexivo, reconhecendo-se como sujeito, que é produto, mas também agente histórico, político, social e cultural.



                                                                                
 2.  FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 
                                                                                

O breve histórico da disciplina de Educação Física, apresentado anteriormente, aponta marcos importantes para que o professor entenda as mudanças teórico-metodológicas que ocorreram no decorrer dos anos e que, por sua vez, configuraram a atual concepção de Educação Física defendida nestas Diretrizes. Este encaminhamento é, sobretudo, resultado de ampla participação da comunidade acadêmica e escolar.
Ao iniciar as discussões a respeito dos fundamentos teórico-metodológicos, é necessário, primeiramente, reconhecer alguns dos principais problemas da Educação Física atual, responsáveis por desqualificá-la como área de conhecimento socialmente relevante, que comprometem sua legitimação no currículo escolar.
Nesse sentido, segundo Shardakov (1978), é preciso superar:
• A persistência do dualismo “corpo-mente” como base científico-teórica da Educação Física que mantém a cisão teoria-prática e dá origem a um aparelho conceitual desprovido de conteúdo real, dentre eles o conceito a-histórico de esporte e das suas classificações;
• A “banalização do conhecimento da cultura corporal”, pela repetição mecânica de técnicas esvaziadas da valorização subjetiva que deu origem a sua criação;
• A restrição do conhecimento oferecido aos alunos, obstáculo para que modalidades esportivas, especialmente as que mais atraem às crianças e jovens, possam ser apreendidas na escola, por todos, independentemente de condições físicas, de etnia, sexo ou condição social;
• A utilização de testes e medidas padronizadas, não como forma de acesso aos conhecimentos oriundos do esporte de rendimento, mas com objetivos exclusivos de aferir o nível das habilidades físicas, ou como instrumentos de avaliação do desempenho instrucional dos alunos nas aulas de Educação Física;
• A adoção da “teoria da pirâmide esportiva” como “teoria educacional”;
• A falta de uma reflexão aprofundada sobre o desenvolvimento da aptidão física e sua contradição com a reflexão sobre a Cultura Corporal.
Propõe-se que a Educação Física seja fundamentada nas reflexões sobre as necessidades atuais de ensino perante os alunos, na superação de contradições e na valorização da educação. Por isso, é de fundamental importância considerar os contextos e experiências de diferentes regiões, escolas, professores, alunos e da comunidade.
Pode e deve ser trabalhada em interlocução com outras disciplinas que permitam entender a Cultura Corporal em sua complexidade, ou seja, na relação com as múltiplas dimensões da vida humana, tratadas tanto pelas ciências humanas, sociais, da saúde e da natureza.
A Educação Física é parte do projeto geral de escolarização e, como tal, deve estar articulada ao projeto político-pedagógico, pois tem seu objeto de estudo e ensino próprios, e trata de conhecimentos relevantes na escola. Considerando o exposto, defende-se que as aulas de Educação Física não são apêndices das demais disciplinas e atividades escolares, nem um momento subordinado e compensatório para as “durezas” das aulas em sala.
Se a atuação do professor efetiva-se na quadra, em outros lugares do ambiente escolar e em diferentes tempos pedagógicos, seu compromisso, tal como o de todos os professores, é com o projeto de escolarização ali instituído, “sempre em favor da formação humana”. Esses pressupostos se expressam no trato com os conteúdos específicos, tendo como objetivo formar a atitude crítica perante a Cultura Corporal, exigindo domínio do conhecimento e a possibilidade de sua construção a partir da escola.
Busca-se, assim, superar formas anteriores de concepção e atuação na escola pública, visto que a superação é entendida como ir além, não como negação do que precedeu, mas considerada objeto de análise, de crítica, de reorientação e/ou transformação daquelas formas. Nesse sentido, procura-se possibilitar aos alunos o acesso ao conhecimento produzido pela humanidade, relacionando-o às práticas corporais, ao contexto histórico, político, econômico e social.
Isso representa uma mudança na forma de pensar o tratamento teórico-metodológico dado às aulas de Educação Física. Significa, ainda, repensar a “noção de corpo e de movimento” historicamente dicotomizados pelas ciências positivistas, isto é, ir além da ideia de que o movimento é predominantemente um comportamento motor, visto que também é histórico e social.
Sendo assim, tais consequências na prática pedagógica vão para além da preocupação com a aptidão física, a aprendizagem motora, a performance esportiva, etc.

Devemos entender que o movimento que a criança realiza num jogo, tem repercussões sobre todas as dimensões do seu comportamento e mais, que esta atividade veicula e faz a criança introjetar determinados valores e normas de comportamento. Portanto, aquela ideia de que atuando sobre o físico estamos automaticamente e magicamente atuando sobre as outras dimensões, precisa ser superada para que estas possam ser levadas efetivamente em consideração na ação pedagógica, através do estabelecimento de estratégias que objetivem conscientemente o desenvolvimento num determinado sentido, destes outros aspectos e dimensões dos educandos (BRACHT, 1992, p. 66).

Pensar a Educação Física a partir de uma mudança significa analisar a insuficiência do atual modelo de ensino, que muitas vezes não contempla a enorme riqueza das manifestações corporais produzidas socialmente pelos diferentes grupos humanos. Isto pressupõe criticar o trabalho pedagógico, os objetivos e a avaliação, o trato com o conhecimento, os espaços e tempos escolares da Educação Física. Significa, também, reconhecer a gênese da cultura corporal, que reside na atividade humana para garantir a existência da espécie. Destacam-se daí os elementos lúdicos e agonísticos que, sistematizados, estão presentes na escola como conteúdos de ensino.
A gênese da cultura corporal, referida acima, está relacionada à vida em sociedade, desenvolvendo-se, inicialmente, nas relações “Homem-Natureza” e “Homem-Homem”, isto é, pelas relações para a produção de bens e pelas relações de troca. Para garantir sua sobrevivência, reprodução e povoamento do Planeta a humanidade necessitou conhecer a natureza, conquistar diferentes espaços, ocupando-os e explorando-os em sua diversidade de fauna, flora e relevo.
Nas relações com a natureza e com o grupo social de pertencimento, por meio do trabalho, os seres humanos desenvolveram habilidades, aptidões físicas e estratégias de organização, fundamentais para superar obstáculos e garantir a sobrevivência. Inicialmente, correr, saltar, rastejar, erguer e carregar peso eram habilidades essenciais para abater uma caça e transportá-la para “casa”, escapar de uma perseguição, alcançar lugares onde os frutos fossem abundantes.
Outras manifestações corporais e culturais se concretizavam em celebrações dos frutos do trabalho. As danças comemorativas das colheitas, danças de guerra, danças religiosas, dentre outras, são exemplos disso.



O aprofundamento na história leva a compreender que a atividade prática do homem, motivada pelos desafios da natureza, desde o erguer-se da posição quadrúpede até o refinamento do uso da sua mão, foi motor da construção da sua materialidade corpórea e das habilidades que lhe permitiram transformar a natureza. Este agir sobre a natureza, para extrair dela sua subsistência, deu início à construção do mundo humano, do mundo da cultura. Por isso, ‘cultura’ implica apreender o processo de transformação do mundo natural a partir dos modos históricos da existência real dos homens nas suas relações na sociedade e com a natureza (ESCOBAR, 1995, p. 93).


O trabalho é, então, constitutivo da experiência humana, concomitante com a materialidade corporal e como ato humano, social e histórico, assumiu, ao longo da história da humanidade, duplo caráter. Se por um lado, ele é fundamental para a existência humana e nós dependemos dele, por outro, na sociedade capitalista, ocorre um processo de estranhamento, no qual não nos reconhecemos no produto do nosso trabalho. Para manter este segundo caráter – de trabalho alienado – são necessários mecanismos e mediações referentes à disciplina corporal para atender aos interesses do modo como o capital organiza a vida em sociedade.
Nesse sentido, propõe-se a discussão a respeito da disciplina de Educação Física, levando-se em conta que o trabalho é categoria fundante da relação ser humano/natureza e ser humano/ser humano, pois dá sentido à existência humana e à materialidade corporal que constitui “um acervo de atividades comunicativas com significados e sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, místicos, antagonistas” (ESCOBAR, 1995, p. 93). Dessa forma, a materialidade corporal se constitui num longo caminho, de milhares de anos, no qual o ser humano construiu suas formas de relação com a natureza, dentre elas as práticas corporais.
Compreender a Educação Física sob um contexto mais amplo significa entender que ela é composta por interações que se estabelecem nas relações sociais, políticas, econômicas e culturais dos povos.
É partindo dessa posição que estas Diretrizes apontam a Cultura Corporal como objeto de estudo e ensino da Educação Física, evidenciando a relação estreita entre a formação histórica do ser humano por meio do trabalho e as práticas corporais decorrentes. A ação pedagógica da Educação Física deve estimular a reflexão sobre o acervo de formas e representações do mundo que o ser humano tem produzido, exteriorizadas pela expressão corporal em jogos e brincadeiras, danças, lutas, ginásticas e esportes. Essas expressões podem ser identificadas como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

2.1 ELEMENTOS ARTICULADORES DOS CONTEÚDOS ESTRUTURANTES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA.             



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