GOVERNO DO PARANÁ
SECRETARIA DE ESTADO DA
EDUCAÇÃO DO PARANÁ
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICAEDUCAÇÃO FÍSICA
SUMÁRIO:
A EDUCAÇÃO BÁSICA E A OPÇÃO PELO CURRÍCULO DISCIPLINAR
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1. OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
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2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
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3. DIMENSÕES DO CONHECIMENTO
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3.1 O CONHECIMENTO E
AS DISCIPLINAS CURRICULARES
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3.2 A
INTERDISCIPLINARIDADE
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3.3 A CONTEXTUALIZAÇÃO
SÓCIO-HISTÓRICA
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4. AVALIAÇÃO
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DIRETRIZES CURRICULARES DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO
FÍSICA
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1.
DIMENSÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA
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2.
FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
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2.1 ELEMENTOS
ARTICULADORES DOS CONTEÚDOS ESTRUTURANTES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA
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a) CULTURA CORPORAL E CORPO
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b) CULTURA CORPORAL E LUDICIDADE
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c) CULTURA CORPORAL E SAÚDE
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d) CULTURA CORPORAL E MUNDO DO TRABALHO
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e) CULTURA CORPORAL E DESPORTIVIZAÇÃO
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f) CULTURA CORPORAL – TÉCNICA E TÁTICA
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g) CULTURA CORPORAL E LAZER
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h) CULTURA CORPORAL E DIVERSIDADE
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i) CULTURA CORPORAL E MÍDIA
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3.
CONTEÚDOS ESTRUTURANTES
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3.1 ESPORTE
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3.2 JOGOS E BRINCADEIRAS
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3.3 GINÁSTICA
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3.4 LUTAS
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3.5 DANÇA
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4. ENCAMINHAMENTOS METODOLOGICOS
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5.
AVALIAÇÃO
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6.
REFERÊNCIAS
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ANEXO: Conteúdos Básicos
da Disciplina de Educação Física
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A
EDUCAÇÃO BÁSICA E
A OPÇÃO PELO CURRÍCULO
DISCIPLINAR
As etapas históricas do
desenvolvimento da humanidade não são formas esvaziadas das quais se exalou a
vida porque a humanidade alcançou formas de desenvolvimento
superiores, porém, mediante a atividade criativa da humanidade, mediante a práxis,
elas se vão continuamente integrando no presente. O “processo de integração” é ao mesmo tempo crítica e avaliação do
passado. O passado concentra no presente (e portanto aufgehoben no
sentido dialético) cria natureza humana, isto é, a “substância” que inclui
tanto a objetividade quanto a subjetividade, tanto as relações materiais e as
forças objetivas, quanto a faculdade de “ver” o mundo e de explicá-lo por meio
dos vários modos de subjetividade – cientificamente, artisticamente,
filosoficamente, poeticamente, etc. (KOSIK, 2002, p. 150).
1. OS
SUJEITOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
A
escola pública brasileira, nas últimas décadas, passou a atender um número cada
vez maior de estudantes oriundos das “classes populares”. Ao assumir essa
função, que historicamente justifica a existência da escola pública,
intensificou-se a necessidade de discussões contínuas sobre o papel do ensino
básico no projeto de sociedade que se quer para o país. A depender das
políticas públicas em vigor, o papel da escola define-se de formas muito
diferenciadas. Da perspectiva das Teorias Críticas da Educação, as
primeiras questões que se apresentam são:
- Quem são os sujeitos da escola pública?
- De onde eles vêm?
- Que referências sociais e culturais trazem para a escola?
“Um sujeito” é fruto de seu tempo
histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é, também, um ser
singular, que atua no mundo a partir do modo como o compreende e como dele lhe
é possível participar. Ao definir qual formação se quer proporcionar a esses sujeitos,
a escola contribui para determinar o tipo de participação que lhes caberá na
sociedade. Por isso, as reflexões sobre “Currículo” têm, em sua natureza, um
forte caráter político.
Nestas
diretrizes, propõe-se uma reorientação na política curricular com o
objetivo de construir uma sociedade justa, onde as oportunidades sejam iguais
para todos. Para isso, os sujeitos da Educação Básica, “crianças”, “jovens”
e “adultos”,
em geral oriundos das classes assalariadas, urbanas ou rurais, de diversas
regiões e com diferentes origens étnicas e culturais (FRIGOTTO, 2004), devem
ter acesso ao conhecimento produzido pela humanidade que, na escola, é
veiculado pelos conteúdos das disciplinas escolares. Assumir um “Currículo
Disciplinar” significa dar ênfase à escola como lugar de socialização
do conhecimento, pois essa função da instituição escolar é especialmente
importante para os estudantes das “classes menos favorecidas”, que
têm nela uma oportunidade, algumas vezes a única, de acesso ao mundo letrado,
do conhecimento científico, da reflexão filosófica e do contato com a arte. Os
conteúdos disciplinares devem ser tratados, na escola, de modo contextualizado,
estabelecendo-se, entre eles, relações interdisciplinares e colocando
sob suspeita tanto a rigidez com que tradicionalmente se apresentam quanto o
estatuto de verdade atemporal dado a eles. Desta perspectiva, propõe-se
que tais conhecimentos contribuam para a crítica às contradições sociais,
políticas e econômicas presentes nas estruturas da sociedade contemporânea e
propiciem compreender a produção científica, a reflexão filosófica, a criação
artística, nos contextos em que elas se constituem.
Essa
concepção de escola orienta para uma
aprendizagem específica, colocando em perspectiva o seu aspecto formal e
instituído, o qual diz respeito aos conhecimentos historicamente sistematizados
e selecionados para compor o “currículo
escolar”. Nesse sentido, a escola deve incentivar a prática
pedagógica fundamentada em “diferentes
metodologias”, “valorizando
concepções de ensino”, “de
aprendizagem (internalização)” e de “avaliação”
que permitam aos professores e estudantes conscientizarem-se da necessidade de
“... uma transformação emancipadora”.
É
desse modo que uma contraconsciência, estrategicamente concebida como
alternativa necessária à internalização dominada colonialmente, poderia
realizar sua grandiosa missão educativa” (MÈSZÁROS, 2007, p. 212). Um projeto
educativo, nessa direção, precisa atender igualmente aos sujeitos, seja qual
for sua condição social e econômica, seu pertencimento étnico e cultural e às
possíveis necessidades especiais para aprendizagem. Essas características devem
ser tomadas como potencialidades para promover a aprendizagem dos conhecimentos
que cabe à escola ensinar, para todos.
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Pensar
uma concepção de “Currículo para a Educação Básica”
traz, aos professores do Estado do Paraná, uma primeira questão a ser
enfrentada.
Afinal, o que é Currículo?
|
Sacristán
fala de impressões que, “tal como imagens, trazem à mente o conceito de Currículo”.
Em
algumas dessas impressões, a
ideia de que o “Currículo” é construído para ter efeitos sobre as pessoas
fica reduzida ao seu caráter estrutural prescritivo. Nelas, parece não
haver destaque para a discussão sobre como se dá, historicamente, a seleção do
conhecimento, sobre a maneira como esse conhecimento se organiza e se relaciona
na estrutura curricular e, consequência disso, o modo como as pessoas poderão compreender
o mundo e atuar nele.
[...] o CURRÍCULO como
conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas pelo aluno dentro de um
ciclo – nível
educativo - modalidade de ensino é a
acepção mais clássica e desenvolvida;
[...] o CURRÍCULO como
programa de atividades planejadas, devidamente sequencializadas, ordenadas
metodologicamente tal como se mostram num manual ou num guia do professor;
[...] o CURRÍCULO,
também foi entendido, às vezes, como resultados pretendidos de aprendizagem;
[...] o CURRÍCULO como
concretização do plano reprodutor para a escola de determinada sociedade,
contendo conhecimentos, valores e atitudes;
[...] o CURRÍCULO como
experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se;
[...] o CURRÍCULO como
tarefa e habilidade a serem dominadas como é o caso da formação profissional;
[...] o CURRÍCULO como
programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a
sociedade em relação à reconstrução social da mesma (SACRISTAN, 2000, p. 14).
Essas
impressões sobre Currículo podem ser consideradas as mais conhecidas e
corriqueiras, porém, nem todas remetem a uma análise crítica sobre o assunto.
Quando se considera o Currículo tão somente como um documento impresso, uma
orientação pedagógica sobre o conhecimento a ser desenvolvido na escola ou mera
lista de objetivos, métodos e conteúdos necessários para o desenvolvimento dos
saberes escolares, despreza-se seu caráter político, sua condição de
elemento que pressupõe um projeto de futuro para a sociedade que o
produz.
Faz-se
necessária, então, uma análise mais ampla e crítica, ancorada na ideia de que,
nesse documento, está impresso o resultado de embates políticos que produzem um
“projeto pedagógico vinculado a um projeto social”.
Assim,
da tentativa de responder o que é Currículo, outras duas questões
indissociáveis se colocam como eixos para o debate:
- a intenção política que o Currículo traduz;
- a tensão constante entre seu caráter prescritivo e a prática docente.
Como
documento institucional, o Currículo pode tanto ser resultado de amplos DEBATES que tenham envolvido professores, alunos,
comunidades,
quanto ser fruto de DISCUSSÕES centralizadas,
feitas em gabinetes, sem a participação dos sujeitos diretamente interessados
em sua constituição final.
No
caso de um Currículo imposto às escolas, a prática pedagógica dos sujeitos que
ficaram à margem do processo de discussão e construção curricular, em geral,
transgride o Currículo documento. Isso, porém, não se dá de forma autônoma,
pois o documento impresso, ou seja, “o estabelecimento de normas e critérios
tem significado, mesmo quando a prática procura contradizer ou transcender essa
definição pré-ativa (de Currículo). Com isso, ficamos “vinculados” a formas prévias de
reprodução, mesmo quando nos tornamos criadores de novas formas” (GOODSON,
1995, p. 18).
Entretanto,
quando uma nova proposição Curricular é apresentada às escolas, como fruto de AMPLA
DISCUSSÃO COLETIVA, haverá, também, criação de novas práticas que irão além do
que propõe o documento, mas respeitando seu ponto de partida
teórico-metodológico. Em ambos os casos, mas com perspectivas políticas
distintas, identifica-se uma tensão entre o CURRÍCULO DOCUMENTO e o CURRÍCULO
COMO PRÁTICA. Para enfrentar essa tensão, o currículo documento deve
ser objeto de análise contínua dos sujeitos da educação, principalmente a
concepção de conhecimento que ele carrega, pois, ela varia de acordo com as
matrizes teóricas que o orientam e o estruturam. Cada uma dessas matrizes dá
ênfase a diferentes saberes a serem socializados pela escola, tratando o
conhecimento escolar sob óticas diversas.
Dessa
perspectiva, e de maneira muito ampla, é possível pensar em TRÊS GRANDES
MATRIZES CURRICULARES, a saber:
- ACADEMICISMO E AO CIENTIFICISMO.
No
Currículo vinculado ao academicismo/cientificismo, os saberes a serem
socializados nas diferentes disciplinas escolares são oriundos das ciências que
os referenciam. A disciplina escolar, assim, é vista como decorrente da “ciência” e da “aplicabilidade do método científico” como método de ensino. Esse
tipo de currículo pressupõe que o “processo de ensino deve transmitir aos
alunos a lógica do conhecimento de referência. [...] é do saber especializado e
acumulado pela humanidade que devem ser extraídos os conceitos e os princípios
a serem ensinados aos alunos” (LOPES, 2002, p. 151-152). Embora remeta-se ao
saber produzido e acumulado pela humanidade como fonte dos saberes escolares,
podendo-se inferir o direito dos estudantes da Educação Básica ao acesso a
esses conhecimentos, uma das principais CRÍTICAS ao currículo definido pelo “cientificismo/academicismo”
é que ele trata a disciplina escolar como
ramificação do saber especializado, tornando-a refém da fragmentação do
conhecimento. A consequência disso são disciplinas que não dialogam e, por isso
mesmo, fechadas em seus redutos, perdem a dimensão da totalidade. Outra CRÍTICA
a esse tipo de Currículo argumenta que, ao
aceitar o “status quo” dos conhecimentos e saberes dominantes, o
currículo cientificista/academicista enfraquece a possibilidade de constituir
uma perspectiva crítica de educação, uma vez que passa a considerar os
conteúdos escolares tão somente como “resumo do saber culto e elaborado sob a
formalização das diferentes disciplinas” (SACRISTAN, 2000, p. 39). Esse
tipo de currículo se concretiza no “syllabus” ou “Lista de Conteúdos”. Ao se
expressar nesses termos, é mais fácil de regular, controlar, assegurar sua
inspeção, etc., do que qualquer outra fórmula que contenha considerações de
tipo psicopedagógico” (SACRISTÁN, 2000, p. 40).
- ÀS SUBJETIVIDADES E EXPERIÊNCIAS VIVIDAS PELO ALUNO.
O
Currículo estruturado com base nas experiências e/ou interesses dos alunos
faz-se presente, no Brasil, destacadamente, em dois momentos:
I. Nas
discussões dos teóricos que empreenderam, no país, a difusão das ideias
pedagógicas da “Escola Nova”. (A "Escola Nova" foi um importante
movimento de renovação da escola tradicional. Fundamentava o ato pedagógico na
ação, na atividade da criança e menos na instrução dada pelo professor.
Para John Dewey, um dos idealizadores da Escola Nova, a educação deveria ajudar a resolver os problemas apresentados pela
experiência concreta da vida. Assim, a educação era entendida como processo
e não como produto. “Um processo de reconstrução e reconstituição da
experiência; um processo de melhoria permanente da eficiência individual”
(GADOTTI, 2004, p. 144));
II.
Na
implementação do “projeto neoliberal”
de educação, difundido no documento chamado “Parâmetros
Curriculares Nacionais” (PCN's).
Fundamentando-se
em concepções psicológicas, humanistas e sociais, esse tipo de Currículo
pressupõe que:
[...]
nesse contexto, era vista como a instituição responsável pela compensação dos
problemas da sociedade mais ampla. O foco do Currículo foi deslocado do
conteúdo para a forma, ou seja, a preocupação foi centrada na organização das
atividades, com base nas experiências, diferenças individuais e interesses da
criança (ZOTTI, 2008).
As CRÍTICAS a esse tipo de Currículo referem-se a uma concepção curricular que se fundamenta nas necessidades de desenvolvimento pessoal do indivíduo, em prejuízo da aprendizagem dos conhecimentos histórica e socialmente construídos pela humanidade. Além disso, a perspectiva experiencial reduz a escola ao papel de instituição socializadora, ressaltando os processos psicológicos dos alunos e secundarizando os interesses sociais e os conhecimentos específicos das disciplinas.
Essa perspectiva considera que o ensino dos saberes acadêmicos é apenas um aspecto, de importância relativa, a ser alcançado. Uma vez que esta concepção de Currículo não define o papel das disciplinas escolares na organização do trabalho pedagógico com a experiência, o utilitarismo surge como um jeito de resolver esse problema, aproximando os conteúdos das disciplinas das aplicações sociais possíveis do conhecimento.
Tanto
a concepção
cientificista de Currículo, quanto aquela
apoiada na experiência e interesses dos alunos.
[...]
pautam-se em uma visão redentora frente à relação “educação” e “sociedade”,
com respostas diferenciadas na forma, mas defendendo e articulando um mesmo
objetivo – adaptar
a escola e o currículo à ordem capitalista, com base nos princípios de ordem,
racionalidade e eficiência.
Em vista disso, as questões centrais do
Currículo foram os processos de seleção e organização do conteúdo e das
atividades, privilegiando um planejamento rigoroso, baseado em teorias
científicas do processo ensino-aprendizagem, ora numa visão psicologizante, ora
numa visão empresarial (ZOTTI, 2008).
- CONFIGURADOR DA PRÁTICA, VINCULADO AS TEORIAS CRÍTICAS.
“O Currículo como configurador da prática, produto de ampla discussão
entre os sujeitos da educação, fundamentado nas teorias críticas e com
organização disciplinar é a proposta destas Diretrizes para a rede estadual de
ensino do Paraná, no atual contexto histórico”.
Não
se trata de uma ideia nova, já que, num passado não muito distante, fortes
discussões pedagógicas se concretizaram num documento curricular que se tornou
bastante conhecido, denominado “Currículo
Básico” (As discussões que culminaram na elaboração
do Currículo Básico ocorreram no
contexto da reabertura política, na segunda metade dos anos de 1980, quando o
Brasil saía de um período de 20 anos submetido à ditadura militar.)
Esse
documento foi resultado de um intenso processo de discussão coletiva que envolveu
professores da rede estadual de ensino e de instituições de ensino superior.
Vinculava-se ao “Materialismo Histórico
Dialético”, matriz teórica que fundamentava a proposta de
ensino-aprendizagem de todas as disciplinas do currículo.
Chegou
à escola em 1990 e vigorou, como “Proposição Curricular Oficial No Paraná”,
até quase o final daquela década. Estas Diretrizes Curriculares, por sua vez,
se apresentam como frutos daquela matriz curricular (Currículo Básico), porém,
duas décadas se passaram e o documento atual tem as marcas de outra metodologia
de construção, por meio da qual a discussão
contou com a participação maciça dos professores da rede.
Buscou-se manter o vínculo com o
campo das teorias críticas da educação
e com as metodologias que priorizem
diferentes formas de Ensinar, de Aprender
e de Avaliar.
Além disso, nestas diretrizes a “Concepção de Conhecimento” considera
suas dimensões científica, filosófica e artística, enfatizando-se
a importância de todas as disciplinas.
Para
a seleção do “Conhecimento”, que é tratado, na escola, por meio dos
conteúdos das disciplinas concorrem tanto os fatores ditos externos, como
aqueles determinados pelo regime sócio-político, religião,
família,
trabalho
quanto as características sociais e culturais
do público escolar, além dos fatores específicos do sistema como os níveis de
ensino, entre outros. Além desses fatores, estão os saberes acadêmicos,
trazidos para os Currículos Escolares e neles tomando diferentes formas e
abordagens em função de suas permanências e transformações. Tais temas foram o motivo
das discussões propostas para os professores durante o processo de elaboração
destas Diretrizes, trabalhados numa abordagem histórica e crítica a respeito da
constituição das disciplinas escolares,
de sua relevância e função no Currículo e de sua relação com as ciências de
referência.
Na
relação com as ciências de referência, é importante destacar que as disciplinas
escolares, apesar de serem diferentes na abordagem, estruturam-se nos mesmos
princípios epistemológicos e cognitivos, tais como os mecanismos conceituais e
simbólicos. Esses princípios são critérios de sentido que organizam a relação
do conhecimento com as orientações para a vida como prática social, servindo
inclusive para organizar o saber escolar.
Embora
se compreendam as Disciplinas Escolares como indispensáveis no processo de
socialização e sistematização dos conhecimentos, não se pode conceber esses
conhecimentos restritos aos limites disciplinares. A valorização e o
aprofundamento dos conhecimentos organizados nas diferentes disciplinas
escolares são condição para se estabelecerem as “relações interdisciplinares”,
entendidas como necessárias para a compreensão da totalidade.
Assim,
o fato de se identificarem condicionamentos históricos e culturais, presentes
no formato disciplinar de nosso sistema educativo, não impede a perspectiva
interdisciplinar. Tal perspectiva se constitui, também, como concepção crítica
de educação e, portanto, está necessariamente condicionada ao formato
disciplinar, ou seja, à forma como o conhecimento é produzido, selecionado,
difundido e apropriado em áreas que dialogam mas que constituem-se em suas
especificidades.
3
DIMENSÕES DO CONHECIMENTO
Fundamentando-se
nos princípios teóricos expostos, propõe-se que o Currículo
da Educação Básica ofereça, ao estudante, a formação necessária
para o enfrentamento com vistas à transformação da realidade social, econômica
e política de seu tempo.
Esta
ambição remete às reflexões de “Gramsci”
em sua defesa de uma educação na qual o “espaço de
conhecimento”, na escola, deveria equivaler à ideia de “atelier-biblioteca-oficina”, em
favor de uma
formação, a um só tempo, humanista e tecnológica.
Esta será uma de suas ideias chaves até o final da vida.
· O
homem renascentista, para ele (Gramsci) sintetiza o momento de elevada
cultura com o momento de transformação técnica e artística da matéria e da
natureza;
· Sintetiza
também a criação de grandes ideias teórico-políticas com a experiência da
convivência popular.
Sem
dúvida, deve ele estar imaginando o “homem
renascentista” como um Leonardo da Vinci no seu “atelier-biblioteca-oficina”: as estantes cheias dos textos
clássicos, as mesas cheias de tintas e modelos mecânicos; ou então escrevendo
ensaios políticos e culturais como um Maquiavel que transitava da convivência
íntima com os clássicos historiadores da literatura greco-romana, para a
convivência, também íntima, com os populares da cidade de Florença. À luz
desses modelos humanos, Gramsci sintetiza, no ideal da escola moderna para o
proletariado, as características da liberdade e livre iniciativa individual
com as habilidades necessárias à forma produtiva mais eficiente para a
humanidade de hoje (NOSELLA, p. 20).
|
Esse
é o princípio implícito nestas diretrizes quando se defende um Currículo
baseado nas dimensões científica, artística e filosófica
do Conhecimento. A produção científica, as manifestações artísticas e o legado
filosófico da humanidade, como dimensões para as diversas disciplinas
do Currículo, possibilitam um trabalho pedagógico que aponte na direção da
totalidade do conhecimento e sua relação com o cotidiano. Com isso, entende-se
a “Escola” como o espaço do confronto e diálogo
entre os conhecimentos
sistematizados e os conhecimentos do cotidiano popular.
Essas são as fontes sócio-históricas do conhecimento em sua complexidade. Em
breve retrospectiva histórica, é possível afirmar que, até o RENASCIMENTO,
o que se entendia por Conhecimento se aproximava muito da noção de pensamento
filosófico, o qual buscava uma explicação racional para o mundo e para
os fenômenos naturais e sociais.
A filosofia permite um conhecimento racional, qual um exercício da “razão”.
[...] A partir do
século VI a.C., passou a circunscrever todo o conhecimento da época em
explicações racionais acerca do “cosmo”.
A “razão” indagava a natureza e
obtinha respostas a problemas teóricos, especulativos. Até o século XVI, o
pensamento permaneceu imbuído da filosofia como instrumento do pensamento
especulativo.
[...] Desta
forma, a filosofia representou, até o advento da ciência moderna, a culminância de todos os esforços da racionalidade ocidental.
Era o saber por
excelência; a filosofia e a ciência formavam um único campo
racional (ARAUJO, 2003, p. 23-24).
|
Com
o Renascimento e a emergência do sistema mercantilista de produção, entre
outras influências, o pensamento ocidental sofreu modificações importantes
relacionadas ao novo período histórico que se anunciava.
No
final do século XVII, por exemplo, Isaac Newton, amparado nos estudos de
Galileu, Tycho Brahe e Kepler, estabeleceu a primeira grande unificação dos
estudos da Física relacionando os fenômenos físicos terrestres e celestes.
Temas que eram objeto da filosofia, passaram a ser analisados pelo olhar da
ciência empírica, de modo que “das explicações organizadas conforme o método
científico, surgiram todas as ciências naturais” (ARAUJO, 2003, p. 24).
O
conhecimento científico, então, foi se desvinculando do pensamento teocêntrico
e os saberes necessários para explicar o mundo ficaram a cargo do ser humano,
que explicaria a natureza por meio de leis, princípios, teorias, sempre na
busca de uma verdade expressa pelo “método
científico”.
A
dimensão filosófica do conhecimento não desapareceu com o desenvolvimento da “razão científica”. Ambas
caminharam no século XX, quando se observou a emergência de métodos próprios
para as “ciências
humanas”, que se emanciparam das “ciências naturais”. Assim, as dimensões
filosófica e científica transformaram a concepção de ciência ao incluírem o elemento da interpretação ou significação que os sujeitos dão às
suas ações – “o homem torna-se, ao mesmo tempo, objeto e sujeito do conhecimento”.
Além disso, as “ciências humanas” desenvolveram a análise da formação,
consolidação e superação das estruturas objetivas do humano na sua
subjetividade e nas relações sociais.
Essas
transformações, que se deram devido à expansão da vida urbana, à consolidação
do padrão de vida burguesa e à formação de uma classe trabalhadora consciente
de si, exigem investigações sobre a constituição do sujeito e do processo
social. São as dimensões filosófica e humana do conhecimento que possibilitam
aos cientistas perguntarem sobre as implicações de suas produções científicas.
Assim, pensamento científico e filosófico constituem dimensões do conhecimento
que não se confundem, mas não se devem separar.
Temas que foram objeto de especulação e reflexão
filosófica passaram daí por diante pelo crivo do olhar
objetivador da ciência.
[...] As ciências passaram a fornecer explicação
sobre a estrutura do universo físico, sobre a
constituição dos organismos e, mais recentemente,
sobre o homem e a sociedade. A filosofia passou a
abranger setores cada vez mais restritos da
realidade, tendo, no entanto, se tornado cada vez
mais aguda em suas indagações; se não lhe é dado
mais abordar o cosmo, pois a física e suas leis
filosófica passaram daí por diante pelo crivo do olhar
objetivador da ciência.
[...] As ciências passaram a fornecer explicação
sobre a estrutura do universo físico, sobre a
constituição dos organismos e, mais recentemente,
sobre o homem e a sociedade. A filosofia passou a
abranger setores cada vez mais restritos da
realidade, tendo, no entanto, se tornado cada vez
mais aguda em suas indagações; se não lhe é dado
mais abordar o cosmo, pois a física e suas leis
e teorias o faz mais apropriadamente, o filósofo se
volta para a situação atual e pergunta-se:
volta para a situação atual e pergunta-se:
- O que faz de nós este ser que hoje somos?
- O que é o Saber?
- O que é o Conhecer?
- Como se dá a relação entre mente e mundo?
Por
sua vez, a dimensão artística é fruto de uma relação específica do ser humano
com o mundo e o conhecimento. Essa relação é materializada pela e na obra de
arte, que “é parte integrante da realidade social, é elemento da estrutura de
tal sociedade e expressão da produtividade social e espiritual do homem”
(KOSIK, 2002, p. 139).
A
obra de arte é constituída pela razão, pelos sentidos e pela transcendência da
própria condição humana. Numa conhecida passagem dos Manuscritos
econômico-filosóficos, “Karl Marx” argumenta que “o homem se afirma no mundo objetivo, não apenas
no pensar, mas também com todos os sentidos” (MARX, 1987, p. 178) e os sentidos não são apenas naturais,
biológicos e instintivos, mas também transformados pela cultura, humanizados.
Para “Marx”,
o Capitalismo e a Propriedade Privada determinam
a alienação dos sentidos e do pensamento, reduzindo-os à dimensão do ter.
Portanto,
a “emancipação
humana plena” passa, necessariamente, pelo resgate dos sentidos e do
pensamento.
Para
o ouvido não musical a mais bela música não tem sentido algum, não é objeto.
[...] A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda história universal
até nossos dias. O sentido que é prisioneiro da grosseira necessidade prática
tem apenas um sentido limitado (MARX, 1987, p. 178).
|
O
conhecimento artístico tem
como características centrais a “criação” e o “trabalho criador”.
A arte é criação, qualidade distintiva fundamental da dimensão artística, pois
criar “é fazer algo inédito, novo e singular, que expressa o sujeito criador e
simultaneamente, transcende-o, pois o objeto criado é portador de conteúdo
social e histórico e como objeto concreto é uma nova realidade social”
(PEIXOTO, 2003, p. 39). Esta característica da arte ser criação é um elemento
fundamental para a educação, pois a “Escola” é, a um só tempo, o espaço do
conhecimento historicamente produzido pelo homem e espaço de construção de
novos conhecimentos, no qual é imprescindível o processo de criação.
Assim, o desenvolvimento da capacidade criativa dos alunos, inerente à dimensão
artística, tem uma direta relação com a produção do conhecimento nas diversas
disciplinas. Desta forma, a dimensão artística pode contribuir
significativamente para humanização dos sentidos, ou seja, para a superação da
condição de alienação e repressão à qual os sentidos humanos foram submetidos.
A Arte concentra, em sua especificidade, conhecimentos de diversos campos,
possibilitando um diálogo entre as disciplinas escolares e ações que favoreçam
uma unidade no trabalho pedagógico. Por isso, essa dimensão do conhecimento
deve ser entendida para além da disciplina de Arte, bem como as dimensões
filosófica e científica não se referem exclusivamente à disciplina de Filosofia
e às disciplinas científicas.
Essas
dimensões do conhecimento constituem parte fundamental dos conteúdos nas
disciplinas do currículo da Educação Básica.
3.1 O CONHECIMENTO E AS DISCIPLINAS CURRICULARES
Como Saber Escolar, o conhecimento
se explicita nos conteúdos das disciplinas de tradição curricular, quais sejam:
Arte,
Biologia,
Ciências,
Educação
Física, Ensino Religioso, Filosofia, Física, Geografia, História,
Língua
Estrangeira Moderna, Língua Portuguesa, Matemática, Química
e Sociologia.
Nestas Diretrizes, destaca-se a
importância dos Conteúdos Disciplinares e
do Professor como autor de seu Plano de
Ensino, contrapondo-se, assim, aos modelos de organização curricular
que vigoraram na década de 1990, os quais esvaziaram os conteúdos disciplinares
para dar destaque aos chamados “Temas Transversais”. Ainda hoje, a
crítica à política de esvaziamento dos conteúdos disciplinares sofre
constrangimentos em consequência dos embates ocorridos entre as diferentes Tendências
Pedagógicas no século XX. Tais embates trouxeram para “[...] o discurso
pedagógico moderno um certo complexo de culpa ao tratar o tema dos conteúdos”
(SACRISTÁN, 2000, p. 120). A discussão sobre Conteúdos Curriculares passou
a ser vista, por alguns, como uma defesa da escola como agência reprodutora da
cultura dominante. Contudo, ...
[...]
Sem conteúdo não há ensino, qualquer projeto educativo acaba se concretizando
na aspiração de conseguir alguns efeitos nos sujeitos que se educam.
Referindo-se estas afirmações ao tratamento científico do ensino, pode-se
dizer que sem formalizar os problemas relativos aos conteúdos não existe
discurso rigoroso nem científico sobre o ensino, porque estaríamos falando de
uma atividade vazia ou com significado à margem do para que serve (SACRISTÁN,
2000, p. 120).
|
É preciso, também, ultrapassar a
ideia e a prática da divisão do objeto didático pelas quais os conteúdos
disciplinares são decididos e selecionados fora da escola, por outros agentes
sociais. Quanto aos envolvidos no ambiente escolar, sobretudo aos professores,
caberia apenas refletir e decidir sobre as técnicas de ensino.
[...]
A reflexão sobre a justificativa dos conteúdos é para os professores um
motivo exemplar para entender o papel que a escolaridade em geral cumpre num
determinado momento e, mais especificamente, a função do nível ou especialidade
escolar na qual trabalham. O que se ensina, sugere-se ou se obriga a aprender
expressa valores e funções que a escola difunde num contexto social e
histórico concreto (SACRISTÁN, 2000, p. 150).
|
As “disciplinas técnicas” dos cursos de Ensino Médio Integrado
devem orientar-se, também, por essa compreensão de conhecimento, pois a
ciência, a técnica e a tecnologia são frutos do trabalho e produtos da prática
social. Participam, portanto, dos saberes das disciplinas escolares.
Os estudos sobre a história da
produção do conhecimento, seus métodos e determinantes políticos, econômicos,
sociais e ideológicos, relacionados com a história das disciplinas escolares e
as teorias da aprendizagem, possibilitam uma fundamentação para o professor em
discussões curriculares mais aprofundadas e alteram sua prática pedagógica.
Nessa práxis, os professores participam ativamente da constante construção
curricular e se fundamentam para organizar o trabalho pedagógico a partir dos
conteúdos estruturantes de sua disciplina.
Entende-se por “ CONTEÚDOS
ESTRUTURANTES ” os conhecimentos de grande amplitude, conceitos,
teorias ou práticas, que identificam e organizam os campos de estudos de uma
disciplina escolar, considerados fundamentais para a compreensão de seu objeto
de estudo/ensino. Esses conteúdos são selecionados a partir de uma
análise histórica da ciência de referência (quando for o caso) e da disciplina
escolar, sendo trazidos para a escola para serem socializados, apropriados
pelos alunos, por meio das metodologias críticas de ensino-aprendizagem. Por
serem históricos, os CONTEÚDOS
ESTRUTURANTES são frutos de uma construção que tem sentido social
como conhecimento, ou seja, existe uma porção de conhecimento que é produto da
cultura e que deve ser disponibilizado como conteúdo, ao estudante, para que
seja apropriado, dominado e usado. Esse é o conhecimento instituído. Além desse
saber instituído, pronto, entretanto, deve existir, no processo de
ensino/aprendizagem, uma preocupação com o devir do conhecimento, ou seja,
existem fenômenos e relações que a inteligência humana ainda não explorou na
natureza. Portanto, de posse de alguns conhecimentos herdados culturalmente, o
sujeito deve entender que isso não é todo o conhecimento possível que a
inteligência tem e é capaz de ter do mundo, e que existe uma consciência, uma
necessidade intrínseca e natural de continuar explorando o “não saber” (CHAUÍ,
1997), a natureza (VASQUEZ, 1997). Como seleção, tais conteúdos carregam uma
marca política, são datados e interessados e, nesse sentido, alguns saberes
disciplinares, considerados importantes no passado, podem estar, aqui,
excluídos do campo de estudos da disciplina. Outros conteúdos estruturantes,
ainda que mais recorrentes na história da disciplina, têm, nestas diretrizes,
sua abordagem teórica reelaborada em função das transformações sociais,
políticas, econômicas e culturais ocorridas recentemente. Ao vincular o
conceito de conteúdo estruturante tanto a uma análise histórica quanto a uma
opção política, considera-se que ...
O
envelhecimento do conteúdo e a evolução de paradigmas na criação de saberes
implica a seleção de elementos dessas áreas relativos à estrutura do saber,
nos métodos de investigação, nas técnicas de trabalho, para continuar aprendendo
e em diferentes linguagens. O conteúdo relevante de uma matéria é composto
dos aspectos mais estáveis da mesma e daquelas capacidades necessárias para
continuar tendo acesso e renovar o conhecimento adquirido (SACRISTÁN, 2000,
p. 152-153).
|
Então, o conhecimento que identifica
uma ciência e uma disciplina escolar é histórico, não é estanque, nem
está cristalizado, o que caracteriza a natureza dinâmica e processual de todo e
qualquer currículo. Assim, nessas diretrizes, reconhece-se que, além de seus
conteúdos “mais estáveis”, as disciplinas escolares incorporam e atualizam
conteúdos decorrentes do movimento das relações de produção e dominação que
determinam relações sociais, geram pesquisas científicas e trazem para o debate
questões políticas e filosóficas emergentes. Tais conteúdos, nas últimas
décadas, vinculam-se tanto à diversidade étnico-cultural
quanto aos problemas sociais
contemporâneos e têm sido incorporados ao currículo escolar como temas que
transversam as disciplinas, impostos a todas elas de forma artificial e
arbitrária. Em contraposição a essa perspectiva, nestas diretrizes, propõe-se
que esses temas sejam abordados pelas disciplinas que lhes são afins, de forma
contextualizada, articulados com os respectivos objetos de estudo dessas
disciplinas e sob o rigor de seus referenciais teórico-conceituais. Nessa
concepção de Currículo, as disciplinas da Educação Básica terão, em seus
conteúdos estruturantes, os campos de estudo que as identificam como
conhecimento histórico. Dos CONTEÚDOS
ESTRUTURANTES organizam-se os CONTEÚDOS
BÁSICOS a serem trabalhados por série, compostos tanto pelos
assuntos mais estáveis e permanentes da disciplina quanto pelos que se
apresentam em função do movimento histórico e das atuais relações sociais.
Esses conteúdos, articulados entre si e fundamentados nas respectivas
orientações teórico-metodológicas, farão parte da proposta pedagógica
curricular das escolas. A partir da proposta pedagógica curricular, o
professor elaborará seu plano de trabalho docente, documento de
autoria, vinculado à realidade e às necessidades de suas diferentes turmas e
escolas de atuação. No plano, se explicitarão os conteúdos específicos a serem
trabalhados nos bimestres, trimestres ou semestres letivos, bem como as
especificações metodológicas que fundamentam a relação ensino/aprendizagem,
além dos critérios e instrumentos que objetivam a avaliação no cotidiano
escolar.
3.2 A INTERDISCIPLINARIDADE
Anunciar a opção político-pedagógica
por um Currículo organizado em disciplinas que devem dialogar numa perspectiva interdisciplinar
requer que se explicite qual concepção de interdisciplinaridade
e de contextualização o
fundamenta, pois esses conceitos transitam pelas diferentes matrizes
curriculares, das conservadoras às críticas, há muitas décadas. Nestas
diretrizes, as disciplinas escolares são entendidas como campos do
conhecimento, identificam-se pelos respectivos conteúdos estruturantes e por
seus quadros teóricos conceituais. Considerando esse constructo teórico, as
disciplinas são o pressuposto para a interdisciplinaridade. A partir das
disciplinas, as relações interdisciplinares se estabelecem quando:
• conceitos, teorias ou práticas de uma
disciplina são chamados à discussão e auxiliam a compreensão de um recorte de
conteúdo qualquer de outra disciplina;
• ao tratar do objeto de estudo de uma
disciplina, buscam-se nos quadros conceituais de outras disciplinas
referenciais teóricos que possibilitem uma abordagem mais abrangente desse
objeto.
Desta perspectiva, estabelecer
relações interdisciplinares não é uma tarefa que se reduz a uma readequação
metodológica curricular, como foi entendido, no passado, pela pedagogia dos
projetos. A interdisciplinaridade é uma questão epistemológica e está na
abordagem teórica e conceitual dada ao conteúdo em estudo, concretizando-se na
articulação das disciplinas cujos conceitos, teorias e práticas enriquecem a
compreensão desse conteúdo.
No ensino dos conteúdos escolares,
as relações interdisciplinares evidenciam, por um lado, as limitações e as
insuficiências das disciplinas em suas abordagens isoladas e individuais e, por
outro, as especificidades próprias de cada disciplina para a compreensão de um
objeto qualquer.
Desse modo, explicita-se que as
disciplinas escolares não são herméticas, fechadas em si, mas, a partir de suas
especialidades, chamam umas às outras e, em conjunto, ampliam a abordagem dos
conteúdos de modo que se busque, cada vez mais, a totalidade, numa prática
pedagógica que leve em conta as dimensões científica, filosófica e artística do
conhecimento. Tal pressuposto descarta uma interdisciplinaridade radical ou uma
antidisciplinaridade, fundamento das correntes teóricas curriculares
denominadas pós-modernas.
3.3
A CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA
A Interdisciplinaridade
está relacionada ao conceito de Contextualização
Sócio-Histórica como princípio integrador do currículo. Isto porque ambas
propõem uma articulação que vá além dos limites cognitivos próprios das
disciplinas escolares, sem, no entanto, recair no relativismo epistemológico.
Ao contrário, elas reforçam essas disciplinas ao se fundamentarem em
aproximações conceituais coerentes e nos contextos sócio-históricos,
possibilitando as condições de existência e constituição dos objetos dos
conhecimentos disciplinares. De acordo com Ramos [p. 01, 2004?], ...
Sob algumas abordagens, a
Contextualização,
na pedagogia, é
compreendida como a inserção do
conhecimento disciplinar em
uma
realidade plena de vivências,
buscando o enraizamento do
conhecimento
explícito na
dimensão do conhecimento tácito.
Tal enraizamento seria possível
por meio do aproveitamento e da
incorporação de relações
vivenciadas e valorizadas
nas
quais os significados se originam,
ou seja, na trama de relações em
que a
realidade é tecida.
|
Essa argumentação chama a atenção
para a importância da práxis no processo pedagógico, o que contribui para que o
conhecimento ganhe significado para o aluno, de forma que aquilo que lhe parece
sem sentido seja problematizado e apreendido. É preciso, porém, que o professor
tenha cuidado para não empobrecer a construção do conhecimento em nome de uma
prática de contextualização. Reduzir a abordagem pedagógica aos limites da
vivência do aluno compromete o desenvolvimento de sua capacidade crítica de
compreensão da abrangência dos fatos e fenômenos. Daí a argumentação de que o
contexto seja apenas o ponto de partida da abordagem pedagógica, cujos passos
seguintes permitam o desenvolvimento do pensamento abstrato e da sistematização
do conhecimento. Ainda de acordo com Ramos [p. 02, 2004?], ...
O
processo de ensino-aprendizagem contextualizado é um importante meio de
estimular a curiosidade e fortalecer a confiança do aluno. Por outro lado,
sua importância está condicionada à possibilidade de [...] ter consciência
sobre seus modelos de explicação e compreensão da realidade, reconhecê-los
como equivocados ou limitados a determinados contextos, enfrentar o
questionamento, colocá-los em cheque num processo de desconstrução de
conceitos e reconstrução/apropriação de outros.
|
Para as teorias críticas, nas quais
estas diretrizes se fundamentam, o conceito de contextualização propicia a
formação de sujeitos históricos – alunos e professores – que, ao se apropriarem
do conhecimento, compreendem que as estruturas sociais são históricas,
contraditórias e abertas. É na abordagem dos conteúdos e na escolha dos métodos
de ensino advindo das disciplinas curriculares que as inconsistências e as
contradições presentes nas estruturas sociais são compreendidas. Essa
compreensão se dá num processo de luta política em que estes sujeitos constroem
sentidos múltiplos em relação a um objeto, a um acontecimento, a um significado
ou a um fenômeno. Assim, podem fazer escolhas e agir em favor de mudanças nas
estruturas sociais. É nesse processo de luta política que os sujeitos em
contexto de escolarização definem os seus conceitos, valores e convicções
advindos das classes sociais e das estruturas político-culturais em confronto.
As propostas curriculares e conteúdos escolares estão intimamente organizados a
partir desse processo, ao serem fundamentados por conceitos que dialogam
disciplinarmente com as experiências e saberes sociais de uma comunidade
historicamente situada. A contextualização na linguagem é um elemento
constitutivo da contextualização sócio-histórica e, nestas diretrizes, vem
marcada por uma concepção teórica fundamentada em Mikhail Bakhtin. Para ele, o
contexto sócio-histórico estrutura o interior do diálogo da corrente da
comunicação verbal entre os sujeitos históricos e os objetos do conhecimento.
Trata-se de um dialogismo que se articula à construção dos acontecimentos e das
estruturas sociais, construindo a linguagem de uma comunidade historicamente
situada. Nesse sentido, as ações dos sujeitos históricos produzem linguagens
que podem levar à compreensão dos confrontos entre conceitos e valores de uma
sociedade. Essas ideias relativas à contextualização sócio-histórica vão ao
encontro da afirmação de Ivor Goodson de que o currículo é um artefato
construído socialmente e que nele o conhecimento pode ser prático, pedagógico e
“relacionado com um processo ativo” desde que contextualizado de maneira
dialética a uma “construção teórica mais geral” (GOODSON, 1995, p. 95). Assim,
para o currículo da Educação Básica, contexto não é apenas o entorno
contemporâneo e espacial de um objeto ou fato, mas é um elemento fundamental
das estruturas sócio-históricas, marcadas por métodos que fazem uso,
necessariamente, de conceitos teóricos precisos e claros, voltados à abordagem
das experiências sociais dos sujeitos históricos produtores do conhecimento.
4. AVALIAÇÃO
No processo educativo, a avaliação
deve se fazer presente, tanto como meio de diagnóstico do processo
ensino-aprendizagem quanto como instrumento de investigação da prática
pedagógica. Assim a avaliação assume uma dimensão formadora, uma vez que, o fim
desse processo é a aprendizagem, ou a verificação dela, mas também permitir que
haja uma reflexão sobre a ação da prática pedagógica. Para cumprir essa função,
a avaliação deve possibilitar o trabalho com o novo, numa dimensão criadora e
criativa que envolva o ensino e a aprendizagem.
Desta forma, se estabelecerá o
verdadeiro sentido da avaliação:
“acompanhar o desempenho no presente, orientar
as possibilidades de desempenho futuro e mudar as práticas insuficientes,
apontando novos caminhos para superar problemas e fazer emergir novas práticas
educativas (LIMA, 2002).”
No cotidiano escolar, a avaliação é parte do
trabalho dos professores. Tem por objetivo proporcionar-lhes subsídios para as
decisões a serem tomadas a respeito do processo educativo que envolve professor
e aluno no acesso ao conhecimento. É importante ressaltar que a avaliação se
concretiza de acordo com o que se estabelece nos documentos escolares como o Projeto
Político Pedagógico e, mais especificamente, a Proposta Pedagógica Curricular
e o Plano
de Trabalho Docente, documentos necessariamente fundamentados nas
Diretrizes Curriculares. Esse projeto e sua realização explicitam, assim, a
concepção de escola e de sociedade com que se trabalha e indicam que sujeitos
se quer formar para a sociedade que se quer construir.
Nestas Diretrizes Curriculares para
a Educação Básica, propõe-se formar sujeitos que construam sentidos para o
mundo, que compreendam criticamente o contexto social e histórico de que são
frutos e que, pelo acesso ao conhecimento, sejam capazes de uma inserção cidadã
e transformadora na sociedade. A avaliação, nesta perspectiva, visa contribuir
para a compreensão das dificuldades de aprendizagem dos alunos, com vistas às
mudanças necessárias para que essa aprendizagem se concretize e a escola se
faça mais próxima da comunidade, da sociedade como um todo, no atual contexto
histórico e no espaço onde os alunos estão inseridos. Não há sentido em
processos avaliativos que apenas constatam o que o aluno aprendeu ou não
aprendeu e o fazem refém dessas constatações, tomadas como sentenças
definitivas. Se a proposição curricular visa à formação de sujeitos que se
apropriam do conhecimento para compreender as relações humanas em suas
contradições e conflitos, então a ação pedagógica que se realiza em sala de
aula precisa contribuir para essa formação.
Para concretizar esse objetivo, a
avaliação escolar deve constituir um projeto de futuro social, pela intervenção
da experiência do passado e compreensão do presente, num esforço coletivo a
serviço da ação pedagógica, em movimentos na direção da aprendizagem do aluno,
da qualificação do professor e da escola. Nas salas de aula, o professor é quem
compreende a avaliação e a executa como um projeto intencional e planejado, que
deve contemplar a expressão de conhecimento do aluno como referência uma
aprendizagem continuada. No cotidiano das aulas, isso significa que:
• é importante a compreensão de que uma
atividade de avaliação situa-se entre a intenção e o resultado e que não se
diferencia da atividade de ensino, porque ambas têm o intuito de ensinar;
• no Plano de
Trabalho Docente, ao definir os conteúdos específicos trabalhados naquele
período de tempo, já se definem os critérios, estratégias e instrumentos de
avaliação, para que professor e alunos conheçam os avanços e as dificuldades,
tendo em vista a reorganização do trabalho docente;
• os critérios de
avaliação devem ser definidos pela intenção que orienta o ensino e explicitar os
propósitos e a dimensão do que se avalia.
• Assim, os critérios são um elemento
de grande importância no processo avaliativo, pois articulam todas as etapas da
ação pedagógica;
• os enunciados de atividades avaliativas devem ser claros e
objetivos. Uma resposta insatisfatória, em muitos casos, não revela, em
princípio, que o estudante não aprendeu o conteúdo, mas simplesmente que ele
não entendeu o que lhe foi perguntado. Nesta circunstância, o difícil não é
desempenhar a tarefa solicitada, mas sim compreender o que se pede;
• os
instrumentos de avaliação devem ser pensados e definidos de acordo com as
possibilidades teórico-metodológicas que oferecem para avaliar os critérios
estabelecidos. Por exemplo, para avaliar a capacidade e a qualidade argumentativa,
a realização de um debate ou a produção de um texto serão mais adequados do que
uma prova objetiva;
• a utilização repetida e exclusiva de um mesmo tipo de
instrumento de avaliação reduz a possibilidade de observar os diversos
processos cognitivos dos alunos, tais como: memorização,
observação, percepção, descrição, argumentação, análise crítica, interpretação,
criatividade, formulação de hipóteses, entre outros;
• uma atividade avaliativa
representa, tão somente, um determinado momento e não todo processo de
ensino-aprendizagem;
• a recuperação de estudos deve acontecer a partir de uma
lógica simples: os conteúdos selecionados para o ensino são importantes para a
formação do aluno, então, é preciso investir em todas as estratégias e recursos
possíveis para que ele aprenda.
A recuperação é justamente isso: o esforço deretomar, de voltar ao conteúdo, de modificar os encaminhamentos metodológicos,
para assegurar a possibilidade de aprendizagem. Nesse sentido, a recuperação da
nota é simples decorrência da recuperação de conteúdo. Assim, a avaliação do
processo ensino-aprendizagem, entendida como questão metodológica, de
responsabilidade do professor, é determinada pela perspectiva de investigar
para intervir. A seleção de conteúdos, os encaminhamentos metodológicos e a
clareza dos critérios de avaliação elucidam a intencionalidade do ensino,
enquanto a diversidade de instrumentos e técnicas de avaliação possibilita aos
estudantes variadas oportunidades e maneiras de expressar seu conhecimento. Ao
professor, cabe acompanhar a aprendizagem dos seus alunos e o desenvolvimento
dos processos cognitivos. Por fim, destaca-se que a concepção de avaliação que
permeia o currículo não pode ser uma escolha solitária do professor. A
discussão sobre a avaliação deve envolver o coletivo da escola, para que todos
(direção, equipe pedagógica, pais, alunos) assumam seus papéis e se concretize
um trabalho pedagógico relevante para a formação dos alunos.
DIRETRIZES
CURRICULARES DE
EDUCAÇÃO
FÍSICA
1. DIMENSÃO HISTÓRICA
DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO FÍSICA
A fim de situar historicamente a
disciplina de Educação Física no Brasil, optou-se, nestas Diretrizes
Curriculares, por retratar os movimentos que a constituíram como componente
curricular.
As primeiras sistematizações que o
conhecimento sobre as práticas corporais recebe em solo nacional ocorrem a
partir de teorias oriundas da Europa. Sob a égide de conhecimentos médicos e da
instrução física militar, a então denominada “Ginástica” surgiu, principalmente, a partir de uma
preocupação com o desenvolvimento da saúde
e a formação moral dos
cidadãos brasileiros. Esse modelo de prática corporal pautava-se em prescrições
de exercícios visando ao aprimoramento de capacidades e habilidades físicas como
a força, a destreza, a agilidade e a resistência,
além de visar à formação do caráter,
da autodisciplina, de hábitos higiênicos, do respeito à hierarquia e do sentimento patriótico.
O conhecimento da medicina
configurou um outro modelo para a sociedade brasileira, o que contribuiu para a
construção de uma nova ordem econômica, política e social. “Nesta nova ordem,
na qual os médicos higienistas irão ocupar lugar destacado, também se coloca a
necessidade de construir, para o Brasil, um novo homem, sem o qual a nova
sociedade idealizada não se tornaria realidade” (SOARES, 2004, p. 70).
No contexto referido acima, a
educação física ganha espaço na escola, uma vez que o físico disciplinado era
exigência da nova ordem em formação. A educação do físico confundia-se com a
prática da ginástica, pois incluía exercícios físicos baseados nos moldes
médico-higiênicos.
Com a proclamação da República, veio
a discussão sobre as instituições escolares e as políticas educacionais.
O
século XIX foi o século que difundiu a instrução pública e Rui Barbosa foi
influenciado pelas discussões de sua época. Tanto que, empenhado num projeto
de modernização do país, interessou-se pela criação de um sistema nacional de
ensino – gratuito, obrigatório e laico, desde o jardim de infância até a
universidade. Para elaboração do seu projeto buscou inspiração em países onde
a escola pública estava sendo difundida, procurando demonstrar os benefícios
alcançados com a sua criação. Para fundamentar sua análise recorreu às
estatísticas escolares, livros, métodos, mostrando que a educação, nesses
países, revelava-se alavanca de desenvolvimento. Suas ideias acerca desta
questão estão claramente redigidas nos seus famosos pareceres sobre
educação (MACHADO, 2000, p. 03).
|
No
ano de 1882, Rui Barbosa emitiu o parecer nº. 224, sobre a Reforma Leôncio de
Carvalho, decreto n. 7.247, de 19 de abril de 1879, da Instrução Pública. Entre
outras conclusões, afirmou a importância da ginástica para a formação de corpos
fortes e cidadãos preparados para defender a Pátria, equiparando-a, em
reconhecimento, às demais disciplinas (SOARES, 2004). Conforme consta no
próprio parecer, “[...] com a medida proposta, não pretendemos formar nem
acrobatas nem Hércules, mas desenvolver na criança o quantum de vigor físico
essencial ao equilíbrio da vida humana, à felicidade da alma, à preservação da
Pátria e à dignidade da espécie” (QUEIRÓS apud CASTELLANI FILHO, 1994,
p. 53).
No
início do século XX, especificamente a partir de 1929, a disciplina de Educação
Física tornou-se obrigatória nas instituições de ensino para crianças a partir
de 6 anos de idade e para ambos os sexos, por meio de um anteprojeto publicado
pelo então Ministro da Guerra, General Nestor Sezefredo Passos.
Propõe
também a criação do Conselho Superior de Educação Física
com o objetivo de centralizar, coordenar e fiscalizar as atividades
referentes ao Desporto e à Educação Física no país e também a elaboração do
Método Nacional de Educação Física (LEANDRO, 2002, p. 34).
|
Isso
representa o quanto a ...
Educação
Física no Brasil se confunde em muitos momentos de sua história com as
instituições médicas e militares. Em diferentes momentos, essas instituições
definiram seu caminho, delineando e delimitando seu campo de conhecimento,
tornando-a um valioso instrumento de ação e de intervenção na realidade
educacional e social [...] (SOARES, 2004, p. 69).
|
Esse
período histórico foi marcado pelo esforço de construção de uma unidade
nacional, o que contribuiu sobremaneira para intensificar o forte componente
militar nos métodos de ensino da Educação Física nas escolas brasileiras.
As
relações entre a institucionalização da disciplina de Educação Física no Brasil
e a influência da ginástica, explicitam-se em alguns marcos históricos, dentre
eles:
I. a
criação do “Regulamento da Instrução Física Militar” (Método Francês), em 1921;
II. a
obrigatoriedade da prática da ginástica nas instituições de ensino, em 1929;
I III. a
adoção oficial do método Francês2, em 1931, no ensino secundário;
IV. a
criação da Escola de Educação Física do Exército, em 1933, e a criação da
Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil, em
1939.
O
Método Ginástico Francês, que
contribuiu para construir e legitimar a Educação Física nas escolas brasileiras
estava fortemente ancorado nos conhecimentos advindos da anatomia e da
fisiologia, cunhados de uma visão positivista da ciência, isto é, um
conhecimento científico e técnico considerado superior a outras formas de
conhecimento, e que deveria ser referência para consolidação de um projeto de
modernização do país.
Preponderando
uma visão mecanicista e instrumental
sobre o corpo, o método ginástico francês priorizava o desenvolvimento da
mecânica corporal. Conforme esse modelo, melhorar o funcionamento do corpo e a
eficiência do gasto energético dependia de técnicas que atribuíam à Educação
Física a tarefa de formar corpos saudáveis e disciplinados, possibilitando a
formação de seres humanos aptos para adaptarem-se ao processo de
industrialização que se iniciava no Brasil (SOARES, 2004).
No
final da década de 1930, o esporte começou a se popularizar e, não por acaso,
passou a ser um dos principais conteúdos trabalhados nas aulas de Educação
Física. Com o intuito de promover políticas nacionalistas, houve um incentivo
às práticas desportivas como a criação de grandes centros esportivos, a
importação de especialistas que dominavam as técnicas de algumas modalidades
esportivas e a criação do Conselho Nacional dos Desportos, em 1941.
No
final da década de 1930 e início da década de 1940, ocorreu o que o Conselho
denomina como um processo de “desmilitarização” da Educação Física brasileira,
isto é, a predominância da instrução física militar começou a ser sobreposta
por outras formas de conhecimento sobre o corpo e, com o fim da II Guerra
Mundial, teve início um intenso processo de difusão do esporte na sociedade e,
consequentemente, nas escolas brasileiras. O esporte ...
[...]
Afirma-se paulatinamente em todos os países sob a influência da cultura
europeia, como o elemento hegemônico da cultura de movimento. No Brasil as
condições para o desenvolvimento do esporte, quais sejam, o desenvolvimento
industrial com a consequente urbanização da população e dos meios de
comunicação de massa, estavam agora, mais do que antes, presentes. Outro
aspecto importante é a progressiva esportivização de outros elementos da
cultura de movimento, sejam elas vindas do exterior como o judô ou o karatê, ou
genuinamente brasileiras como a capoeira (BRACHT, 1992, p. 22).
No
início da década de 1940, o governo brasileiro estabeleceu as bases da
organização desportiva brasileira instituindo o Conselho Nacional de Desportos,
com o intuito de orientar, fiscalizar e incentivar a prática desportiva em todo
o país (LEANDRO, 2002, p. 58).
Nesse
contexto, as aulas de Educação Física assumiram os códigos esportivos do
rendimento, competição, comparação de recordes, regulamentação rígida e a
racionalização de meios e técnicas. Trata-se não mais do “esporte da escola”, mas sim do “esporte na escola”. Isto é, os professores de Educação
Física se encarregaram de reproduzir os códigos esportivos nas aulas, sem se
preocupar com a reflexão crítica desse conhecimento. A escola tornou-se um
celeiro de atletas, a base da pirâmide esportiva (BRACHT, 1992, p. 22).
Com
a promulgação da Nova Constituição e a instalação efetiva do Estado Novo, em 10
de novembro de 1937, a prática de exercícios físicos em todos os
estabelecimentos de ensino tornou-se obrigatória. Entre os anos de 1937 e 1945,
o então presidente Getúlio Vargas estruturou o Estado no sentido de incentivar
a intervenção estatal e o nacionalismo econômico.
Durante
o Estado Novo implantado em 1937, a Educação Física sofreu grande
inquietação. Encarada pelos militares como uma arma na estruturação humana,
entendiam que a maneira como o corpo é educado é resultado direto das normas
sociais impostas, que definem consequentemente a estruturação da sociedade,
que através dos seus gestos ou ações motoras revelam a natureza do sistema
social. Os militares fazem então um grande investimento na política
esportiva, certos de que assim teríamos uma nítida melhoria da saúde do povo
brasileiro, tendo consequentemente mais homens aptos ao serviço militar, que
nesta época continha uma grande quantidade de jovens dispensados por
incapacidade física (LEANDRO, 2002, p. 43).
|
No
contexto das reformas educacionais sob a atuação do ministro Gustavo Capanema,
a Lei Orgânica do Ensino Secundário, promulgada em 09 de abril de 1942,
demarcou esse cenário ao permitir a entrada das práticas esportivas na escola,
dividindo um espaço até então predominantemente configurado pela instrução
militar.
Com
tais reformas, a Educação Física tornou-se uma prática educativa obrigatória,
desta vez com carga horária estipulada de três sessões semanais para meninos e
duas para meninas, tanto no ensino secundário quanto no industrial, e com
duração de 30 e 45 minutos por sessão (CANTARINO FILHO, 1982).
A
Lei Orgânica do Ensino Secundário permaneceu em vigor até a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 4.024/61, em 1961.
Com
o golpe militar no Brasil, em 1964, o esporte passou a ser tratado com maior
ênfase nas escolas, especialmente durante as aulas de Educação Física. De
acordo com algumas teorizações da historiografia ...
Isso
teria ocorrido em parte, porque numa certa perspectiva o esporte codificado,
normatizado e institucionalizado pode responder de forma bastante
significativa aos anseios de controle por parte do poder, uma vez que tende a
padronizar a ação dos agentes educacionais, tanto do professor quanto do
aluno; noutra, porque o esporte se afirmava como fenômeno cultural de massa
contemporâneo e universal, afirmando-se, portanto, como possibilidade
educacional privilegiada. Assim, o conjunto de práticas corporais passíveis
de serem abordadas e desenvolvidas no interior da escola resumiu-se à prática
de algumas modalidades esportivas. As práticas escolares de Educação Física
passaram a ter como fundamento primeiro a técnica esportiva, o gesto técnico,
a repetição, enfim, a redução das possibilidades corporais a algumas poucas
técnicas estereotipadas (OLIVEIRA, 2001, p. 33).
|
Ocorreram,
ainda, outras reformas educacionais no Brasil, em particular o chamado acordo
do Ministério da Educação e Cultura - MEC/United States Agency International
for Development – USAID (MEC-USAID).
Esse
fato permitiu que muitos professores dessa área de conhecimento frequentassem,
nos Estados Unidos, cursos de pós-graduação cujos fundamentos teóricos sobre o
movimento humano pautavam-se na visão positivista das ciências naturais, isto
é, na prática esportiva e na aptidão física. Nesse contexto, o esporte
consolidou sua hegemonia como objeto principal nas aulas de Educação Física, em
currículos nos quais o enfoque pedagógico estava centrado na competição e na
performance dos alunos.
Os
chamados “Esportes Olímpicos” – Vôlei, Basquete, Handebol E Atletismo, entre
outros – foram priorizados para formar atletas que representassem o país em
competições internacionais. Tal preferência sustentava-se na “Teoria da
Pirâmide Olímpica”, isto é, a escola deveria funcionar como um celeiro de
atletas, tornar-se a base da pirâmide para seleção e descoberta de talentos nos
esportes de elite nacional.
Predominava
o interesse na formação de atletas que apresentassem “talento natural”, de modo
que se destacavam, até chegar ao topo da pirâmide, aqueles considerados de alto
nível, prontos para representar o país em competições nacionais e
internacionais. A ideia de talento esportivo substanciava-se num entendimento
naturalizante dos processos sociais que constituem os seres humanos, como se as
características biológicas individuais fossem preponderantes frente às
oportunidades que cada um possui no decorrer de sua história de vida.
Na
década de 70, a Lei n. 5692/71, por meio de seu artigo 7º e pelo Decreto n.
69450/71, manteve o caráter obrigatório da disciplina de Educação Física nas
escolas, passando a ter uma legislação específica e sendo integrada como
atividade escolar regular e obrigatória no currículo de todos os cursos e
níveis dos sistemas de ensino. Conforme consta no Capítulo I, Art. 7º da Lei n.
5692/71, “será obrigatória a inclusão de Educação
Moral e Cívica, Educação
Física, Educação Artística
e Programa de Saúde nos
currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto à
primeira o disposto no Decreto-lei n. 869, de 12 de setembro de 1969” (BRASIL,
1971).
Ainda
nesse período, aos olhos do Regime Militar, a Educação Física era um importante
recurso para consolidação do projeto “Brasil-Grande” (BRACHT, 1992). Através da
prática de exercícios físicos visando ao desenvolvimento da aptidão física dos
alunos, seria possível obter melhores resultados nas competições esportivas e,
consequentemente, consolidar o país como uma potência olímpica, elevando seu status
político e econômico.
Tal
concepção de Educação Física escolar de caráter esportivo foi duramente
criticada pela corrente pedagógica da psicomotricidade que surgia no mesmo
período.
Baseada
na interdependência do desenvolvimento cognitivo e motor, (a Abordagem
Psicomotora) critica o dualismo predominante na Educação Física, e
propõe-se, a partir de jogos de movimento e exercitações, contribuir para a
Educação Integral [...] Com a Psicomotricidade, temos um deslocamento da
polarização da Educação do movimento para a Educação pelo movimento, ficando
a primeira nitidamente em segundo plano (BRACHT, 1992, p. 27).
|
A
perspectiva esportiva da Educação Física Escolar recebeu uma forte crítica da
corrente da psicomotricidade cujos fundamentos se contrapunham às
perspectivas teórico-metodológicas baseadas no modelo didático da esportivização.
Tais fundamentos valorizavam a formação integral da criança, acreditando
que esta se dá no desenvolvimento interdependente de aspectos cognitivos,
afetivos e motores.
Entretanto,
a psicomotricidade não estabeleceu um novo arcabouço de conhecimento
para o ensino da Educação Física, e as práticas corporais, entre elas o
esporte, continuaram a ser tratadas, tão-somente, como meios para a educação e
disciplina dos corpos, e não como conhecimentos a serem sistematizados e
transmitidos no ambiente escolar.
Além
disso, a Educação Física ficou, em alguns casos, subordinada a outras
disciplinas escolares, tornando-se um elemento colaborador para o aprendizado
de conteúdos diversos àqueles próprios da disciplina (SOARES, 1996, p. 09).
Com
o movimento de abertura política e o início de um processo de redemocratização
social, que culminou com o fim da Ditadura Militar em meados dos anos de 1980,
o sistema educacional brasileiro passou por um processo de reformulação.
Nesse
período, a comunidade científica da Educação Física se fortaleceu com a
expansão da pós-graduação nessa área no Brasil. Esse movimento possibilitou a
muitos professores uma formação não mais restrita às ciências naturais e
biológicas.
Com
a abertura de cursos na área de humanas, principalmente em educação, novas
tendências ou correntes de ensino da Educação Física, cujos debates
evidenciavam severas críticas ao modelo vigente até então, passaram a subsidiar
as teorizações dessa disciplina escolar (DAÓLIO, 1997, p. 28).
Houve
um movimento de renovação do pensamento pedagógico da Educação Física que
trouxe várias proposições e interrogações acerca da legitimidade dessa
disciplina como campo de conhecimento escolar. Tais propostas dirigiram
críticas aos paradigmas da aptidão física e da esportivização (BRACHT, 1999).
Entre as correntes ou Tendências Progressistas, destacaram-se as seguintes
abordagens:
• Desenvolvimentista: defende a ideia de que o movimento é o principal meio e fim da Educação Física. Constitui o ensino de habilidades motoras de acordo com uma sequência de desenvolvimento. Sua base teórica é, essencialmente, a psicologia do desenvolvimento e aprendizagem;
• Construtivista: defende a formação integral sob a perspectiva construtivista-interacionista. Inclui as dimensões afetivas e cognitivas ao movimento humano. Embora preocupada com a cultura infantil, essa abordagem se fundamenta também na psicologia do desenvolvimento.
• Desenvolvimentista: defende a ideia de que o movimento é o principal meio e fim da Educação Física. Constitui o ensino de habilidades motoras de acordo com uma sequência de desenvolvimento. Sua base teórica é, essencialmente, a psicologia do desenvolvimento e aprendizagem;
• Construtivista: defende a formação integral sob a perspectiva construtivista-interacionista. Inclui as dimensões afetivas e cognitivas ao movimento humano. Embora preocupada com a cultura infantil, essa abordagem se fundamenta também na psicologia do desenvolvimento.
Vinculadas
às discussões da pedagogia crítica brasileira e às análises das ciências
humanas, sobretudo da Filosofia da Educação e Sociologia, estão as concepções
críticas da Educação Física. O que as diferencia daquelas descritas
anteriormente é o fato de que as abordagens crítico-superadora
e crítico-emancipatória,
descritas abaixo, operam a crítica da Educação Física a partir de sua
contextualização na sociedade capitalista.
•Crítico-superadora: baseia-se nos pressupostos
da pedagogia histórico-critica e estipula, como objeto da Educação Física, a “Cultura Corporal” a partir de
conteúdos como: o esporte, a ginástica, os jogos, as lutas e a dança. O
conceito de Cultura Corporal tem como suporte a ideia de seleção, organização e
sistematização do conhecimento acumulado historicamente, acerca do movimento
humano, para ser transformado em saber escolar. Esse conhecimento é
sistematizado em ciclos e tratado de forma “historicizada” e “espiralada”. Isto
é, partindo do pressuposto de que os alunos possuem um conhecimento sincrético
sobre a realidade, é função da escola, e neste caso também da Educação Física,
garantir o acesso às variadas formas de conhecimentos produzidos pela
humanidade, levando os alunos a estabelecerem nexos com a realidade,
elevando-os a um grau de conhecimento sintético. Nesse sentido, o “tratamento
espiralar” representa o retomar, integrar e dar continuidade ao conhecimento
nos diferentes níveis de ensino, ampliando sua compreensão conforme o grau de
complexidade dos conteúdos. Por exemplo: um mesmo conteúdo específico, como a
Ginástica Geral, pode ser abordado em diferentes níveis de ensino, desde que se
garanta sua relação com aquilo que já foi conhecido, elevando esse conhecimento
para um nível mais complexo. A abordagem metodológica crítico-superadora foi
criada no início da década de 90 por um grupo de pesquisadores tradicionalmente
denominados por Coletivo de Autores. São eles: Carmen Lúcia Soares, Celi
Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e
Valter Bracht.
•Crítico-Emancipatória: Nessa perspectiva, o
movimento humano em sua expressão é considerado significativo no processo de
ensino/aprendizagem, pois está presente em todas as vivências e relações
expressivas que constituem o “ser no mundo”. Nesse sentido, parte do
entendimento de que a expressividade corporal é uma forma de linguagem pela a
qual o ser humano se relaciona com o meio, tornado-se sujeito a partir do
reconhecimento de si no outro. Esse processo comunicativo, também descrito como
dialógico, é um ponto central na abordagem crítico-emancipatória. A
principal corrente teórica que sustenta essa abordagem metodológica é a
Fenomenologia, desenvolvida por Merleau Ponty. A concepção
crítico-emancipatória foi criada, na década de 90, pelo pesquisador Elenor
Kunz.11
No
contexto das teorizações críticas em Educação e Educação Física, no final da
década de 1980 e início de 1990, no Estado do Paraná, tiveram início as
discussões para a elaboração do Currículo Básico.
O
Currículo Básico para a
escola pública do Estado do Paraná surgiu, na década de 90, como o principal
documento oficial relacionado à educação básica no Estado do Paraná. O
documento foi aprovado pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná, através
da Deliberação nº 02/90 de 18 de dezembro de 1990, do processo 384/90. Conforme
consta no Currículo Básico, sua primeira edição teve uma tiragem de noventa
mil exemplares, que foram distribuídos para maior parte das escolas públicas
do Estado do Paraná. Isso demonstra a extensão que atingiu este documento,
que passou a legislar em todas as escolas públicas do Paraná, com grande
influência sobre as práticas escolares (NAVARRO, 2007, p. 48).
|
Esse
processo envolveu profissionais comprometidos com a Educação Pública do Paraná,
deu-se num contexto nacional de redemocratização do país e resultou em um
documento que pretendia responder a demandas sociais e históricas da educação
brasileira.
Os
embates educacionais oriundos desse período, posterior ao Regime Militar,
consolidaram-se nos Documentos Oficiais sobre Educação no Brasil, dentre eles,
o próprio Currículo Básico do Estado
do Paraná que, com um viés critico, apresentava
um discurso preocupado com a formação de seres humanos capazes de questionar e
transformar a realidade social em que vivem.
O
Currículo Básico, para a Educação Física, fundamentava-se na pedagogia
histórico-crítica, identificando-se numa perspectiva progressista e crítica sob
os pressupostos teóricos do materialismo histórico-dialético.
O
Currículo Básico foi produzido num período de emergência, na educação, do
chamado “discurso crítico”. Esse discurso pretendia reformular a educação e,
consequentemente, a disciplina de Educação Física, a partir de reflexões
históricas e sociais que desvelassem os mecanismos de desigualdade social e
econômica, para então legitimar e concretizar um projeto de transformação
social. O objetivo central da criação do Currículo Básico foi o projeto de
reestruturação do currículo das escolas públicas do Paraná [...] (NAVARRO,
2007, p. 49).
Esse
documento caracterizou-se por ser uma proposta avançada em que o mero exercício
físico deveria dar lugar a uma formação humana do aluno em amplas dimensões. O
reflexo desse contexto para a Educação Física configurou-se em um projeto
escolar que possibilitasse a tomada de consciência dos educandos sobre seus
próprios corpos, não no sentido biológico, mas especialmente em relação ao meio
social em que vivem. Dessa forma ...
“É
necessário procurar entender a dialética de desenvolvimento e aperfeiçoamento
do corpo na história e na sociedade brasileira, para que a Educação Física saia
de sua condição passiva de coadjuvante do processo educacional, para ser parte
integrante deste, buscando colocá-la em seu verdadeiro espaço: o de área do
conhecimento. Quando discutimos, hoje, a Educação Física dentro da tendência
Histórico-Crítica, verificamos que em sua ação pedagógica, ela deve buscar
elementos (chamados aqui de pressupostos do movimento) da Ciência da
Motricidade Humana (conforme proposta do filósofo português: Prof. Manuel
Sérgio). Esta ciência trata da compreensão e explicação do movimento humano e
há dificuldade de compreender e apreender os elementos buscados nesta ciência,
uma vez que as raízes históricas da Educação Física brasileira, estão postas
dentro de um regime militar rígido e autoritário, visando fins elitistas e
hegemônicos. Por outro lado, na dinâmica da sociedade capitalista, ela sempre
esteve atrelada às relações capital x trabalho para dominação das classes
trabalhadoras (PARANÁ, 1990, p. 175).”
No
entanto, o Currículo Básico apresentava uma rígida listagem de
conteúdos, os quais eram denominados pressupostos do movimento (condutas
motoras de base ou formas básicas de movimento; condutas neuro-motoras; esquema
corporal; ritmo; aprendizagem objeto-motora), esses enfraqueciam os
pressupostos teórico-metodológicos da pedagogia crítica, pois o enfoque
permaneceu privilegiando abordagens como a desenvolvimentista, construtivista e
psicomotora (FRATTI, 2001; NAVARRO, 2007).
No
mesmo período, foi elaborado o documento intitulado Reestruturação da
Proposta Curricular do Ensino de Segundo Grau, também para a disciplina de
Educação Física. Assim como antes, a proposta foi fundamentada na concepção
histórico-crítica de educação para resgatar o compromisso social da ação
pedagógica da Educação Física. Vislumbrava-se a transformação de uma sociedade
fundada em valores individualistas, em uma sociedade com menor desigualdade
social.
Essa
proposta representou um marco para a disciplina, destacou a dimensão social da
Educação Física e possibilitou a consolidação de um novo entendimento em
relação ao movimento humano, como expressão da identidade corporal, como
prática social e como uma forma do homem se relacionar com o mundo. A proposta
valorizou a produção histórica e cultural dos povos, relativa à ginástica, à
dança, aos esportes, aos jogos e às atividades que correspondem às
características regionais.
A
rigidez na escolha dos conteúdos, a insuficiente oferta de formação continuada
para consolidar a proposta e, depois, as mudanças de políticas públicas em
educação trazidas pelas novas gestões governamentais, a partir de meados dos
anos de 1990, dificultaram a implementação dos fundamentos teóricos e políticos
do Currículo Básico na prática pedagógica. Por isso, o ensino da Educação
Física na escola se manteve, em muitos aspectos, em suas dimensões
tradicionais, ou seja, com enfoque exclusivamente no desenvolvimento das
aptidões físicas, de aspectos psicomotores e na prática esportiva.
Os
avanços teóricos da Educação Física sofreram retrocesso na década de 1990
quando, após a discussão e aprovação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9394/96), o Ministério
da Educação (MEC) apresentou os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) para a disciplina de Educação Física, que
passaram a subsidiar propostas curriculares nos Estados e Municípios
brasileiros. O que deveria ser um referencial curricular tornou-se um currículo
mínimo, para além da ideia de parâmetros, e propôs objetivos,
conteúdos, métodos, avaliação e temas transversais.
No
que se refere à disciplina de Educação Física, a introdução dos temas
transversais acarretou, sobretudo, num esvaziamento dos conteúdos próprios da
disciplina. Temas como ética, meio ambiente, saúde e educação sexual
tornaram-se prioridade no currículo, em detrimento do conhecimento e reflexão
sobre as práticas corporais historicamente produzidas pela humanidade,
entendidos aqui como objeto principal da Educação Física.
Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) foram elaborados para atender a um
artigo da Constituição que prevê o estabelecimento de conteúdos mínimos para a educação (...) não levando em
conta a realidade social dos homens, colocando a educação como solução para
os problemas sociais e aos homens a responsabilidade de seu sucesso ou
fracasso na vida. Esse documento se apresenta como flexível e optativo,
embora, pela forma como foi minuciosamente elaborado, se denuncie todo o
tempo como descritivo e específico no seu conteúdo, estimulando a sua
incorporação e apresentando-se como verdade absoluta (MARTINS E NOMA, 2002,
p. 05).
|
Acusados
por alguns críticos de proporem um ecletismo teórico, os PCN não apresentaram
uma coerência interna de proposta curricular. Ou seja, continham elementos da pedagogia construtivista piagetiana,
psicomotora, da abordagem tecnicista, sob a ideia
de eficiência e eficácia no esporte e, também, defendia o conceito de saúde e qualidade de vida do
aluno pautado na perspectiva da aptidão física. Nessa tentativa de absorver o
maior número possível de concepções teóricas, o documento acabava tratando tais
teorizações de forma aligeirada, deixando, inclusive, de destacar os autores
responsáveis pelas diferentes abordagens.
Os
Parâmetros
Curriculares Nacionais de Educação Física para o Ensino Fundamental
abandonaram as perspectivas da aptidão física fundamentadas em aspectos
técnicos e fisiológicos, e destacaram outras questões relacionadas às dimensões culturais, sociais, políticas, afetivas
no tratamento dos conteúdos, baseadas
em concepções teóricas relativas ao corpo e ao movimento.
Já
nos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, os conhecimentos da Educação Física
perderam centralidade e importância em favor dos temas transversais e da
pedagogia das competências e habilidades, as quais receberam destaque na
proposta.
Apesar
de sua redação aparentemente progressista, pode-se dizer que os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Educação Física para o Ensino Fundamental e Médio
constituíram uma proposta teórica incoerente. As diversas concepções
pedagógicas ali apresentadas valorizaram o individualismo e a adaptação do
sujeito à sociedade, ao invés de construir e oportunizar o acesso a
conhecimentos que possibilitem aos educandos a formação crítica.
Diante
da análise de algumas das abordagens teóricas que sustentaram historicamente as
teorizações em Educação Física escolar no Brasil, desde as mais reacionárias
até as mais críticas, opta-se, nestas Diretrizes Curriculares, por interrogar a
hegemonia que entende esta disciplina tão-somente como treinamento do corpo,
sem nenhuma reflexão sobre o fazer corporal.
Dentro
de um projeto mais amplo de educação do Estado do Paraná, entende-se a escola
como um espaço que, dentre outras funções, deve garantir o acesso aos alunos ao
conhecimento produzido historicamente pela humanidade.
Nesse
sentido, partindo de seu objeto de estudo e de ensino, Cultura Corporal, a
Educação Física se insere neste projeto ao garantir o acesso ao conhecimento e
à reflexão crítica das inúmeras manifestações ou práticas corporais
historicamente produzidas pela humanidade, na busca de contribuir com um ideal
mais amplo de formação de um ser humano crítico e reflexivo, reconhecendo-se
como sujeito, que é produto, mas também agente histórico, político, social e
cultural.
2. FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
O
breve histórico da disciplina de Educação Física, apresentado anteriormente,
aponta marcos importantes para que o professor entenda as mudanças
teórico-metodológicas que ocorreram no decorrer dos anos e que, por sua vez,
configuraram a atual concepção de Educação Física defendida nestas Diretrizes.
Este encaminhamento é, sobretudo, resultado de ampla participação da comunidade
acadêmica e escolar.
Ao
iniciar as discussões a respeito dos fundamentos teórico-metodológicos, é
necessário, primeiramente, reconhecer alguns dos principais problemas da
Educação Física atual, responsáveis por desqualificá-la como área de
conhecimento socialmente relevante, que comprometem sua legitimação no
currículo escolar.
Nesse
sentido, segundo Shardakov (1978), é preciso superar:
•
A persistência do dualismo “corpo-mente”
como base científico-teórica da Educação Física que mantém a cisão
teoria-prática e dá origem a um aparelho conceitual desprovido de conteúdo
real, dentre eles o conceito a-histórico de esporte e das suas classificações;
•
A “banalização do conhecimento da cultura
corporal”, pela repetição mecânica de técnicas esvaziadas da valorização
subjetiva que deu origem a sua criação;
•
A restrição do conhecimento oferecido aos alunos, obstáculo para que
modalidades esportivas, especialmente as que mais atraem às crianças e jovens,
possam ser apreendidas na escola, por todos, independentemente de condições
físicas, de etnia, sexo ou condição social;
•
A utilização de testes e medidas padronizadas, não como forma de acesso aos
conhecimentos oriundos do esporte de rendimento, mas com objetivos exclusivos
de aferir o nível das habilidades físicas, ou como instrumentos de avaliação do
desempenho instrucional dos alunos nas aulas de Educação Física;
•
A adoção da “teoria da pirâmide esportiva”
como “teoria educacional”;
•
A falta de uma reflexão aprofundada sobre o desenvolvimento da aptidão física e
sua contradição com a reflexão sobre a Cultura Corporal.
Propõe-se
que a Educação Física seja fundamentada nas reflexões sobre as necessidades
atuais de ensino perante os alunos, na superação de contradições e na
valorização da educação. Por isso, é de fundamental importância considerar os
contextos e experiências de diferentes regiões, escolas, professores, alunos e
da comunidade.
Pode
e deve ser trabalhada em interlocução com outras disciplinas que permitam
entender a Cultura Corporal em sua complexidade, ou seja, na relação com as
múltiplas dimensões da vida humana, tratadas tanto pelas ciências humanas,
sociais, da saúde e da natureza.
A
Educação Física é parte do projeto geral de escolarização e, como tal, deve
estar articulada ao projeto político-pedagógico, pois tem seu objeto de estudo
e ensino próprios, e trata de conhecimentos relevantes na escola. Considerando
o exposto, defende-se que as aulas de Educação Física não são apêndices das
demais disciplinas e atividades escolares, nem um momento subordinado e
compensatório para as “durezas” das aulas em sala.
Se
a atuação do professor efetiva-se na quadra, em outros lugares do ambiente
escolar e em diferentes tempos pedagógicos, seu compromisso, tal como o de
todos os professores, é com o projeto de escolarização ali instituído, “sempre em favor da formação humana”.
Esses pressupostos se expressam no trato com os conteúdos específicos, tendo
como objetivo formar a atitude crítica perante a Cultura Corporal, exigindo
domínio do conhecimento e a possibilidade de sua construção a partir da escola.
Busca-se,
assim, superar formas anteriores de concepção e atuação na escola pública,
visto que a superação é entendida como ir além, não como negação do que
precedeu, mas considerada objeto de análise, de crítica, de reorientação e/ou
transformação daquelas formas. Nesse sentido, procura-se possibilitar aos
alunos o acesso ao conhecimento produzido pela humanidade, relacionando-o às
práticas corporais, ao contexto histórico, político, econômico e social.
Isso
representa uma mudança na forma de pensar o tratamento teórico-metodológico
dado às aulas de Educação Física. Significa, ainda, repensar a “noção de corpo e de movimento”
historicamente dicotomizados pelas ciências positivistas, isto é, ir além da
ideia de que o movimento é predominantemente um comportamento motor, visto que
também é histórico e social.
Sendo
assim, tais consequências na prática pedagógica vão para além da preocupação
com a aptidão física, a aprendizagem motora, a performance esportiva, etc.
Devemos
entender que o movimento que a criança realiza num jogo, tem repercussões
sobre todas as dimensões do seu comportamento e mais, que esta atividade
veicula e faz a criança introjetar determinados valores e normas de
comportamento. Portanto, aquela ideia de que atuando sobre o físico estamos
automaticamente e magicamente atuando sobre as outras dimensões, precisa ser
superada para que estas possam ser levadas efetivamente em consideração na
ação pedagógica, através do estabelecimento de estratégias que objetivem
conscientemente o desenvolvimento num determinado sentido, destes outros
aspectos e dimensões dos educandos (BRACHT, 1992, p. 66).
|
Pensar
a Educação Física a partir de uma mudança significa analisar a insuficiência do
atual modelo de ensino, que muitas vezes não contempla a enorme riqueza das manifestações
corporais produzidas socialmente pelos diferentes grupos humanos. Isto
pressupõe criticar o trabalho pedagógico, os objetivos e a avaliação, o trato
com o conhecimento, os espaços e tempos escolares da Educação Física.
Significa, também, reconhecer a gênese da cultura corporal, que reside na
atividade humana para garantir a existência da espécie. Destacam-se daí os
elementos lúdicos e agonísticos que, sistematizados, estão presentes na escola
como conteúdos de ensino.
A
gênese da cultura corporal, referida acima, está relacionada à vida em
sociedade, desenvolvendo-se, inicialmente, nas relações “Homem-Natureza” e “Homem-Homem”,
isto é, pelas relações para a produção de bens e pelas relações de troca. Para
garantir sua sobrevivência, reprodução e povoamento do Planeta a humanidade
necessitou conhecer a natureza, conquistar diferentes espaços, ocupando-os e
explorando-os em sua diversidade de fauna, flora e relevo.
Nas
relações com a natureza e com o grupo social de pertencimento, por meio do trabalho,
os seres humanos desenvolveram habilidades, aptidões físicas e estratégias de
organização, fundamentais para superar obstáculos e garantir a sobrevivência.
Inicialmente, correr, saltar, rastejar, erguer e carregar peso eram habilidades
essenciais para abater uma caça e transportá-la para “casa”, escapar de uma
perseguição, alcançar lugares onde os frutos fossem abundantes.
Outras
manifestações corporais e culturais se concretizavam em celebrações dos frutos
do trabalho. As danças comemorativas das colheitas, danças de guerra, danças
religiosas, dentre outras, são exemplos disso.
O aprofundamento na história leva a compreender que a atividade prática do homem, motivada pelos desafios da natureza, desde o erguer-se da posição quadrúpede até o refinamento do uso da sua mão, foi motor da construção da sua materialidade corpórea e das habilidades que lhe permitiram transformar a natureza. Este agir sobre a natureza, para extrair dela sua subsistência, deu início à construção do mundo humano, do mundo da cultura. Por isso, ‘cultura’ implica apreender o processo de transformação do mundo natural a partir dos modos históricos da existência real dos homens nas suas relações na sociedade e com a natureza (ESCOBAR, 1995, p. 93). |
O
trabalho é, então, constitutivo da experiência humana, concomitante com a
materialidade corporal e como ato humano, social e histórico, assumiu, ao longo
da história da humanidade, duplo caráter. Se por um lado, ele é fundamental
para a existência humana e nós dependemos dele, por outro, na sociedade
capitalista, ocorre um processo de estranhamento, no qual não nos reconhecemos
no produto do nosso trabalho. Para manter este segundo caráter – de trabalho
alienado – são necessários mecanismos e mediações referentes à disciplina
corporal para atender aos interesses do modo como o capital organiza a vida em
sociedade.
Nesse
sentido, propõe-se a discussão a respeito da disciplina de Educação Física,
levando-se em conta que o trabalho é categoria fundante da relação ser
humano/natureza e ser humano/ser humano, pois dá sentido à existência humana e
à materialidade corporal que constitui “um acervo de atividades comunicativas
com significados e sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, místicos,
antagonistas” (ESCOBAR, 1995, p. 93). Dessa forma, a materialidade corporal se
constitui num longo caminho, de milhares de anos, no qual o ser humano
construiu suas formas de relação com a natureza, dentre elas as práticas
corporais.
Compreender
a Educação Física sob um contexto mais amplo significa entender que ela é
composta por interações que se estabelecem nas relações sociais, políticas,
econômicas e culturais dos povos.
É
partindo dessa posição que estas Diretrizes apontam a Cultura Corporal como
objeto de estudo e ensino da Educação Física, evidenciando a relação estreita
entre a formação histórica do ser humano por meio do trabalho e as práticas
corporais decorrentes. A ação pedagógica da Educação Física deve estimular a
reflexão sobre o acervo de formas e representações do mundo que o ser humano
tem produzido, exteriorizadas pela expressão corporal em jogos e brincadeiras,
danças, lutas, ginásticas e esportes. Essas expressões podem ser identificadas
como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem
(COLETIVO DE AUTORES, 1992).
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