PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
1. APRESENTAÇÃO.
2.CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.
2.1
O que são os PCN’s;
2.2
Breve histórico;
2.3
Processo de elaboração dos PCN’s.
3. A PROPOSTA DOS PCN's EM FACE DA SITUAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL.
3.1 Número de alunos e de estabelecimentos;
3.2
Promoção, repetência e evasão;
3.3
Desempenho;
3.4
Professores.
4. PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DOS PCN's.
4.1 Natureza e função dos
PCN’s;
4.2
Fundamentos dos PCN’s;
4.3
A tradição pedagógica brasileira;
4.4
Escola e constituição da cidadania;
4.5
Escola: uma construção coletiva e permanente;
4.6
Aprender e ensinar, construir e interagir.
5. ORGANIZAÇÃO DOS PCN's.
5.1
A organização da escolaridade em ciclos;
5.2
A organização do conhecimento escolar: Áreas e Temas Transversais.
6. OBJETIVOS.
7. CONTEÚDOS.
8. AVALIAÇÃO.
8.1
Orientações para avaliação Critérios de avaliação;
8.2
Decisões associadas aos resultados da avaliação;
8.3
As avaliações oficiais: boletins e diplomas.
9. ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS.
9.1
Autonomia;
9.2
Diversidade;
9.3
Interação e cooperação;
9.4
Disponibilidade para a aprendizagem;
9.5
Organização do tempo;
9.6
Organização do espaço;
9.7
Seleção de material;
9.8
Considerações finais.
10. OBJETIVOS GERAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL.
11. ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DOS PCN's.
1. APRESENTAÇÃO.
Esta é uma coleção de 10 volumes que compõem os
PCN's organizados da seguinte forma:
a)
um documento Introdução, que
justifica e fundamenta as opções feitas para a elaboração dos documentos de
áreas e Temas Transversais;
b) seis documentos referentes às áreas de conhecimento:
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação
Física;
c) três volumes com
seis documentos referentes aos Temas Transversais: o “primeiro”
volume traz o documento de apresentação destes Temas, que explica e justifica a
proposta de integrar questões sociais como Temas Transversais e o documento
Ética; no “segundo”, encontram-se os documentos de Pluralidade
Cultural e Orientação Sexual, e no "terceiro", os
de Meio Ambiente e Saúde.
Cada educador deve consultá-lo, grifá-lo, fazer suas
anotações e utilizá-lo como subsídio na formulação do projeto educativo de sua
escola.
Os PCN's, referenciais para a renovação
e reelaboração da proposta curricular, reforçam a importância de que cada
escola formule seu projeto educacional, compartilhado por toda a equipe, para
que a melhoria da qualidade da educação resulte da co-responsabilidade entre
todos os educadores. A forma mais eficaz de elaboração e desenvolvimento de
projetos educacionais envolve o debate em grupo e no local de trabalho.
Os PCN's, ao reconhecerem a
complexidade da prática educativa, buscam auxiliar o professor na sua tarefa de
assumir, como profissional, o lugar que lhe cabe pela responsabilidade e
importância no processo de formação do povo brasileiro.
Dada a abrangência dos assuntos abordados e a forma
como estão organizados, os "Parâmetros Curriculares Nacionais" podem
ser utilizados com objetivos diferentes, de acordo com a necessidade de cada
realidade e de cada momento. É possível iniciar a leitura por diferentes partes
dos documentos, mas reforçamos a necessidade de, com o tempo, se tomar em conta
a totalidade deles para poder haver uma compreensão e apropriação da proposta.
Os "Parâmetros Curriculares
Nacionais" auxiliam o professor na tarefa de reflexão e
discussão de aspectos do cotidiano da prática pedagógica, a serem transformados
continuamente pelo professor.
Algumas possibilidades para sua utilização são:
1.
Rever objetivos,
conteúdos, formas de encaminhamento das atividades, expectativas de
aprendizagem e maneiras de avaliar;
2.
Refletir sobre a
prática pedagógica, tendo em vista uma coerência com os objetivos propostos;
3.
Preparar um
planejamento que possa de fato orientar o trabalho em sala de aula;
4.
Discutir com a
equipe de trabalho as razões que levam os alunos a terem maior ou menor
participação nas atividades escolares;
5.
Identificar,
produzir ou solicitar novos materiais que possibilitem contextos mais
significativos de aprendizagem;
6.
Subsidiar as
discussões de temas educacionais com os pais e responsáveis.
O nosso objetivo é contribuir, de forma relevante,
para que profundas e imprescindíveis transformações, há muito desejadas, se
façam no panorama educacional brasileiro, e posicionar você, professor, como o
principal agente nessa grande empreitada.
2.CONSIDERAÇÕES
PRELIMINARES.
O que são os “Parâmetros Curriculares Nacionais ” ? ... constituem um referencial de qualidade para a educação no Ensino Fundamental em todo o país. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual.
Por sua natureza aberta, configuram uma proposta
flexivel, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre "currículos" e
sobre "programas de transformação da realidade educacional" empreendidos pelas
autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores.
IMPORTANTE RESSALTAR:
Não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do país ou autonomia de professores e equipes pedagógicas.
Não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do país ou autonomia de professores e equipes pedagógicas.
O conjunto das proposições aqui expressas responde à
necessidade de referenciais a partir dos quais o sistema educacional do país se
organize, a fim de garantir que, respeitadas as diversidades culturais,
regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam uma sociedade
múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no
processo de “construção da cidadania”,
tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os
cidadão, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade implica
necessariamente o acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o
conjunto dos conhecimentos socialmente relevantes.
Entretanto, se estes PCN's podem funcionar como
elemento catalizador de ações na busca de uma melhoria da qualidade da educação
brasileira, de modo algum pretendem resolver todos os problemas que afetam a
qualidade do ensino e da aprendizagem no país. A busca da qualidade impõem a
necessidade de investimentos em diferentes frentes, como a formação incial e
continuada de professores, uma política de salários dignos, um plano de
carreira, a qualidade do livro didático, de recursos televisivos e de
multimídia, a disponibilidade de materiais didáticos. Mas esta qualificação
almejada implica colocar também, no centro do debate, as atividades escolares
de ensino e aprendizagem e a questão curricular como de inegável
importância para a política educacional da nação brasileira.
Breve
histórico ... Até
dezembro de 1996 o ensino fundamental esteve estruturado nos termos previstos
pela Lei Federal nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Essa Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, estabeleceu como objetivo geral, tanto para o Ensino
Fundamental (primeiro grau, com oito anos de escolaridade obrigatória) quanto
para o Ensino Médio (segundo grau, não obrigatório), proporcionar aos educandos
a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento
de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da
Cidadania.
Também generalizou as disposições básicas sobre o “Currículo”,
estabelecendo o núcleo comum obrigatório em âmbito nacional para o ensino
fundamental e médio. Manteve, porém, uma parte diversificada a fim de
contemplar as peculiaridades locais, a especificidade dos planos dos
estabelecimentos de ensino e as diferenças individuais dos alunos. Coube aos
Estados a formulação de propostas curriculares que serviriam de base às escolas
estaduais, municipais e particulares situadas em seu território, compondo,
assim, seus respectivos sistemas de ensino. Essas propostas foram, na sua
maioria, reformuladas durante os anos 80, segundo as tendências educacionais
que se generalizaram nesse período.
Em
1990 o Brasil participou da Conferência
Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, convocada
pela Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial. Dessa conferência, assim como da Declaração de Nova Delhi —
assinada pelos nove países em desenvolvimento de maior contingente populacional
do mundo —, resultaram posições consensuais na luta pela satisfação das necessidades
básicas de aprendizagem para todos, capazes de tornar universal a educação fundamental
e de ampliar as oportunidades de aprendizagem para crianças, jovens e adultos.
Tendo
em vista o quadro atual da educação no Brasil e os compromissos assumidos internacionalmente,
o Ministério da Educação e do Desporto coordenou a elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos
(1993-2003), concebido como um conjunto de diretrizes políticas em contínuo
processo de negociação, voltado para a recuperação da escola fundamental, a
partir do compromisso com a eqüidade e com o incremento da qualidade, como
também com a constante avaliação dos sistemas escolares, visando ao seu
contínuo aprimoramento.
O Plano Decenal de Educação, em
consonância com o que estabelece a Constituição de 1988, afirma a necessidade e
a obrigação de o Estado elaborar parâmetros claros no campo curricular capazes
de orientar as ações educativas do ensino obrigatório, de forma a adequá-lo aos
ideais democráticos e à busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas
brasileiras.
Nesse
sentido, a leitura atenta do texto constitucional vigente mostra a ampliação
das responsabilidades do poder público para com a educação de todos, ao mesmo
tempo que a Emenda Constitucional nº. 14, de 12 de setembro de 1996, priorizou
o ensino fundamental, disciplinando a participação de Estados e Municípios no
tocante ao financiamento desse nível de ensino.
A
nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº. 9.394),
aprovada em 20 de dezembro de 1996, consolida e amplia o dever do poder público
para com a educação em geral e em particular para com o Ensino Fundamental.
Assim, vê-se no art. 22º dessa lei que a "Educação Básica", da qual o "Ensino
Fundamental" é parte integrante, deve assegurar a todos “a formação comum indispensável
para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho
e em estudos posteriores”, fato que confere ao Ensino Fundamental, ao mesmo
tempo, um caráter de terminalidade e de continuidade.
Essa
LDB reforça a necessidade de se propiciar a todos a formação básica comum, o
que pressupõe a formulação de um conjunto de diretrizes capaz de nortear os
currículos e seus conteúdos mínimos, incumbência que, nos termos do art. 9º,
inciso IV, é remetida para a União. Para dar conta desse amplo objetivo, a LDB
consolida a organização curricular de modo a conferir uma maior flexibilidade
no trato dos componentes curriculares, reafirmando desse modo o princípio da Base Nacional Comum (Parâmetros
Curriculares Nacionais), a ser complementada por uma "parte diversificada" em
cada sistema de ensino e escola na prática, repetindo o art. 210º da
Constituição Federal.
Em
linha de síntese, pode-se afirmar que o Currículo, tanto para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio, deve
obrigatoriamente propiciar oportunidades para o estudo da Língua Portuguesa,
da Matemática, do Mundo Físico
E Natural e da Realidade
Social e Política, enfatizando-se o conhecimento do Brasil. Também são
áreas curriculares obrigatórias o Ensino
da Arte e da Educação Física,
necessariamente integradas à proposta pedagógica. O ensino de pelo menos uma Língua Estrangeira moderna passa
a se constituir um componente curricular obrigatório, a partir da 6º ano (5ª
série) do Ensino Fundamental (art. 26º, § 5º). Quanto ao Ensino Religioso, sem onerar as despesas públicas, a LDB
manteve a orientação já adotada pela política educacional brasileira, ou seja,
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas, mas é de “matrícula facultativa”,
respeitadas as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis
(art. 33º).
O
ensino proposto pela LDB está em função do objetivo maior do Ensino
Fundamental, que é o de propiciar a todos formação básica para a “Cidadania”, a partir da criação
na escola de condições de aprendizagem para:
I
- o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do
cálculo;
II
- a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de
aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a
formação de atitudes e valores;
IV - o fortalecimento dos vínculos de
família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se
assenta a vida social (art. 32º).
Verifica-se,
pois, como os atuais dispositivos relativos à organização curricular da
educação escolar caminham no sentido de conferir ao aluno, dentro da estrutura
federativa, efetivação dos objetivos da educação democrática.
O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
O
processo de elaboração dos "Parâmetros Curriculares Nacionais" teve início a
partir do estudo de propostas curriculares de Estados e Municípios brasileiros,
da análise realizada pela Fundação Carlos Chagas sobre os currículos oficiais e
do contato com informações relativas a experiências de outros países. Foram
analisados subsídios oriundos do Plano Decenal de Educação, de pesquisas nacionais
e internacionais, dados estatísticos sobre desempenho de alunos do ensino
fundamental, bem como experiências de sala de aula difundidas em encontros,
seminários e publicações.
Formulou-se,
então, uma proposta inicial que, apresentada em versão preliminar, passou por
um processo de discussão em âmbito nacional, em 1995 e 1996, do qual
participaram docentes de universidades públicas e particulares, técnicos de
secretarias estaduais e municipais de educação, de instituições representativas
de diferentes áreas de conhecimento, especialistas e educadores. Desses
interlocutores foram recebidos aproximadamente setecentos pareceres sobre a
proposta inicial, que serviram de referência para a sua reelaboração.
A
discussão da proposta foi estendida em inúmeros encontros regionais,
organizados pelas delegacias do MEC nos Estados da federação, que contaram com
a participação de professores do ensino fundamental, técnicos de secretarias
municipais e estaduais de educação, membros de conselhos estaduais de educação,
representantes de sindicatos e entidades ligadas ao magistério.
Os
resultados apurados nesses encontros também contribuíram para a reelaboração do
documento. Os pareceres recebidos, além das análises críticas e sugestões em
relação ao conteúdo dos documentos, em sua quase totalidade, apontaram a
necessidade de uma política de implementação da proposta educacional
inicialmente explicitada. Além disso, sugeriram diversas possibilidades de atuação
das universidades e das faculdades de educação para a melhoria do ensino nas
séries iniciais, as quais estão sendo incorporadas na elaboração de novos
programas de formação de professores, vinculados à implementação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
3. A PROPOSTA DOS
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS EM FACE DA SITUAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Durante as décadas de 70 e
80 a tônica da política educacional brasileira recaiu sobre a expansão das
oportunidades de escolarização, havendo um aumento expressivo no acesso à
escola básica. Todavia, os altos índices de repetência e evasão apontam
problemas que evidenciam a grande insatisfação com o trabalho realizado pela
escola.
Indicadores fornecidos
pela Secretaria de Desenvolvimento e Avaliação Educacional (Sediae), do Ministério
da Educação e do Desporto, reafirmam a necessidade de revisão do projeto
educacional do País, de modo a concentrar a atenção na qualidade do ensino e da
aprendizagem.
NÚMERO DE ALUNOS E DE
ESTABELECIMENTOS
A oferta de vagas está
praticamente universalizada no País. O maior contingente de crianças fora da
escola encontra-se na região Nordeste. Nas regiões Sul e Sudeste há
desequilíbrios na localização das escolas e, no caso das grandes cidades, insuficiência
de vagas, provocando a existência de um número excessivo de turnos e a criação
de escolas unidocentes ou multisseriadas.
Em 1994, os 31,2 milhões
de alunos do ensino fundamental concentravam-se predominantemente nas regiões
Sudeste (39%) e Nordeste (31%), seguidas das regiões Sul (14%), Norte (9%) e
Centro-Oeste (7%).
A maioria absoluta dos
alunos freqüentava escolas públicas (88,4%) localizadas em áreas urbanas
(82,5%), como resultado do processo de urbanização do País nas últimas décadas,
e da crescente participação do setor público na oferta de matrículas. O setor
privado responde apenas por 11,6% da oferta, em conseqüência de sua
participação declinante desde o início dos anos 70.
No que se refere ao número
de estabelecimentos de ensino, ao todo 194.487, mais de 70% das escolas são
rurais, apesar de responderem por apenas 17,5% da demanda de ensino
fundamental. Na verdade, as escolas rurais concentram-se sobretudo na região
Nordeste (50%), não só em função de suas características socioeconômicas, mas
também devido à ausência de planejamento do processo de expansão da rede física.
A situação mostra-se grave
ao se observar a evolução da distribuição da população por nível de
escolaridade. Se é verdade que houve considerável avanço na escolaridade
correspondente à primeira fase do ensino fundamental (primeira a quarta
séries), é também verdade que em relação aos demais níveis de ensino a
escolaridade ainda é muito insuficiente: em 1990, apenas 19% da população do
País possuía o primeiro grau completo; 13%, o nível médio; e 8% possuía o nível
superior. Considerando a importância do ensino fundamental e médio para
assegurar a formação de cidadãos aptos a participar democraticamente da vida
social, esta situação indica a urgência das tarefas e o esforço que o estado e
a sociedade civil deverão assumir para superar a médio prazo o quadro
existente.
Além das imensas
diferenças regionais no que concerne ao número médio de anos de estudo, que
apontam a região Nordeste bem abaixo da média nacional, cabe destacar a grande
oscilação deste indicador em relação à variável cor, mas relativo equilíbrio do
ponto de vista de gênero.
Com efeito, mais do que
refletir as desigualdades regionais e as diferenças de gênero e cor, o quadro de
escolarização desigual do País revela os resultados do processo de extrema
concentração de renda e níveis elevados de pobreza.
PROMOÇÃO, REPETÊNCIA E
EVASÃO
Em relação às Taxas de Transição¹,
houve substancial melhoria dos índices de promoção, repetência e evasão do
ensino fundamental. Verifica-se, no período de 1981-92, tendência ascendente
das taxas de promoção — sobem de 55% em 1984, para 62% em 1992 — acompanhada de
queda razoável das taxas médias de repetência e evasão, que atingem,
respectivamente, 33% e 5% em 1992.
Essa tendência é muito
significativa. Estudos indicam que a repetência constitui um dos problemas do quadro
educacional do País, uma vez que os alunos passam, em média, 5 anos na escola
antes de se evadirem ou levam cerca de 11,2 anos para concluir as oito séries
de escolaridade obrigatória. No entanto, a grande maioria da população
estudantil acaba desistindo da escola, desestimulada em razão das altas taxas de
repetência e pressionada por fatores socioeconômicos que obrigam boa parte dos
alunos ao trabalho precoce.
Apesar da melhoria
observada nos índices de evasão, o comportamento das taxas de promoção e
repetência na primeira série do ensino fundamental está ainda longe do
desejável: apenas 51% do total de alunos são promovidos, enquanto 44% repetem,
reproduzindo assim o ciclo de retenção que acaba expulsando os alunos da escola.
As taxas de repetência
evidenciam a baixa qualidade do ensino e a incapacidade dos sistemas educacionais
e das escolas de garantir a permanência do aluno, penalizando principalmente os
alunos de níveis de renda mais baixos.
O “represamento” no
sistema causado pelo número excessivo de reprovações nas séries iniciais
contribui de forma significativa para o aumento dos gastos públicos, ainda
acrescidos pela subutilização de recursos humanos e materiais nas séries
finais, devido ao número reduzido de alunos.
Uma das conseqüências mais
nefastas das elevadas taxas de repetência manifesta-se nitidamente nas
acentuadas taxas de distorção série/idade, em todas as séries do ensino
fundamental. Apesar da ligeira queda observada em todas as séries, no período
1984/94, a situação é dramática: • mais de 63% dos alunos do ensino fundamental
têm idade superior à faixa etária correspondente a cada série; • as regiões Sul
e Sudeste, embora situem-se abaixo da média nacional, ainda apresentam índices
bastante elevados, respectivamente, cerca de 42% e de 54%; • as regiões Norte e
Nordeste situam-se bem acima da média nacional (respectivamente, 78% e 80%).
Para reverter esse quadro,
alguns Estados e Municípios começam a implementar programas de aceleração do
fluxo escolar, com o objetivo de promover, a médio prazo, a melhoria dos indicadores
de rendimento escolar. São iniciativas extremamente importantes, uma vez que a
pesquisa realizada pelo MEC, em 1995, por meio do Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica (SAEB) mostra que quanto maior a distorção
idade/série, pior o rendimento dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática,
tanto no ensino fundamental como no médio. A repetência, portanto, parece não
acrescentar nada ao processo de ensino e aprendizagem.
DESEMPENHO
O perfil da educação
brasileira apresentou significativas mudanças nas duas últimas décadas.
Houve substancial queda da
taxa de analfabetismo, aumento expressivo do número de matrículas em todos os
níveis de ensino e crescimento sistemático das taxas de escolaridade média da
população.
A progressiva queda da
taxa de analfabetismo, que passa de 39,5% para 20,1% nas quatro últimas décadas,
foi paralela ao processo de universalização do atendimento escolar na faixa
etária obrigatória (sete a quatorze anos), tendência que se acentua de meados
dos anos 70 para cá, sobretudo como resultado do esforço do setor público na
promoção das políticas educacionais.
Esse movimento não ocorreu
de forma homogênea. Ele acompanhou as características de desenvolvimento socioeconômico
do País e reflete suas desigualdades.
Por outro lado, resultados
obtidos em pesquisa realizada pelo SAEB/95, baseados em uma amostra nacional
que abrangeu 90.499 alunos de 2.793 escolas públicas e privadas, reafirmam a baixa
qualidade atingida no desempenho dos alunos no ensino fundamental em relação à
leitura e principalmente em habilidade matemática.
Os resultados de
desempenho em matemática mostram um rendimento geral insatisfatório, pois os
percentuais em sua maioria situam-se abaixo de 50%. Ao indicarem um rendimento
melhor nas questões classificadas como de compreensão de conceitos do que nas
de conhecimento de procedimentos e resolução de problemas, os dados parecem
confirmar o que vem sendo amplamente debatido, ou seja, que o ensino da
matemática ainda é feito sem levar em conta os aspectos que a vinculam com a
prática cotidiana, tornando-a desprovida de significado para o aluno. Outro
fato que chama a atenção é que o pior índice refere-se ao campo da geometria.
Os dados apresentados pela
pesquisa confirmam a necessidade de investimentos substanciais para a melhoria
da qualidade do ensino e da aprendizagem no ensino fundamental.
Mesmo os alunos que
conseguem completar os oito anos do ensino fundamental acabam dispondo de menos
conhecimento do que se espera de quem concluiu a escolaridade obrigatória.
Aprenderam pouco, e muitas vezes o que aprenderam não facilita sua inserção e
atuação na sociedade. Dentre outras deficiências do processo de ensino e
aprendizagem, são relevantes o desinteresse geral pelo trabalho escolar, a
motivação dos alunos centrada apenas na nota e na promoção, o esquecimento
precoce dos assuntos estudados e os problemas de disciplina.
Desde os anos 80,
experiências concretas no âmbito dos Estados e Municípios vêm sendo tentadas para
a transformação desse quadro educacional mas, ainda que tenham obtido sucesso,
são experiências circunscritas a realidades específicas.
PROFESSORES
O desempenho dos alunos
remete-nos diretamente à necessidade de se considerarem aspectos relativos à
formação do professor. Pelo Censo Educacional de 1994 foi feito um levantamento
da quantidade de professores que atuam no ensino fundamental, bem como grau de
escolaridade. Do total de funções docentes do ensino fundamental (cerca de 1,3
milhão), 86,3% encontram-se na rede pública; mais de 79% relacionam-se às
escolas da área urbana e apenas 20,4% à zona rural.
Além de uma formação
inicial consistente, é preciso considerar um investimento educativo contínuo e sistemático
para que o professor se desenvolva como profissional de educação. O conteúdo e
a metodologia para essa formação precisam ser revistos para que haja
possibilidade de melhoria do ensino. A formação não pode ser tratada como um
acúmulo de cursos e técnicas, mas sim como um processo reflexivo e crítico
sobre a prática educativa. Investir no desenvolvimento profissional dos
professores é também intervir em suas reais condições de trabalho.
4. PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS
DOS PCN’s
Na sociedade democrática,
ao contrário do que ocorre nos regimes autoritários, o processo educacional não
pode ser instrumento para a imposição, por parte do governo, de um projeto de sociedade
e de nação. Tal projeto deve resultar do próprio processo democrático, nas suas
dimensões mais amplas, envolvendo a contraposição de diferentes interesses e a
negociação política necessária para encontrar soluções para os conflitos
sociais.
Não se pode deixar de
levar em conta que, na atual realidade brasileira, a profunda estratificação social
e a injusta distribuição de renda têm funcionado como um entrave para que uma
parte considerável da população possa fazer valer os seus direitos e interesses
fundamentais. Cabe ao governo o papel de assegurar que o processo democrático
se desenvolva de modo a que esses entraves diminuam cada vez mais. É papel do
Estado democrático investir na escola, para que ela prepare e instrumentalize
crianças e jovens para o processo democrático, forçando o acesso à educação de qualidade
para todos e às possibilidades de participação social.
Para isso faz-se
necessária uma proposta educacional que tenha em vista a qualidade da formação
a ser oferecida a todos os estudantes. O ensino de qualidade que a sociedade
demanda atualmente expressa-se aqui como a possibilidade de o sistema
educacional vir a propor uma prática educativa adequada às necessidades
sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade brasileira, que
considere os interesses e as motivações dos alunos e garanta as aprendizagens essenciais
para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de
atuar com competência, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem.
O “Exercício da Cidadania”
exige o acesso de todos à totalidade dos recursos culturais relevantes para a
intervenção e a participação responsável na vida social. O domínio da língua
falada e escrita, os princípios da reflexão matemática, as coordenadas
espaciais e temporais que organizam a percepção do mundo, os princípios da
explicação científica, as condições de fruição da arte e das mensagens
estéticas, domínios de saber tradicionalmente presentes nas diferentes
concepções do papel da educação no mundo democrático, até outras tantas
exigências que se impõem no mundo contemporâneo.
Essas exigências apontam a
relevância de discussões sobre a dignidade do ser humano, a igualdade de
direitos, a recusa categórica de formas de discriminação, a importância da
solidariedade e do respeito. Cabe ao campo educacional propiciar aos alunos as
capacidades de vivenciar as diferentes formas de inserção sociopolítica e
cultural. Apresenta-se para a escola, hoje mais do que nunca, a necessidade de
assumir-se como espaço social de construção dos significados éticos necessários
e constitutivos de toda e qualquer ação de cidadania.
No contexto atual, a
inserção no mundo do trabalho e do consumo, o cuidado com o próprio corpo e com
a saúde, passando pela educação sexual, e a preservação do meio ambiente são
temas que ganham um novo estatuto, num universo em que os referenciais
tradicionais, a partir dos quais eram vistos como questões locais ou
individuais, já não dão conta da dimensão nacional e até mesmo internacional
que tais temas assumem, justificando, portanto, sua consideração. Nesse
sentido, é papel preponderante da escola propiciar o domínio dos recursos
capazes de levar à discussão dessas formas e sua utilização crítica na
perspectiva da participação social e política.
Desde a construção dos
primeiros computadores, na metade deste século, novas relações entre
conhecimento e trabalho começaram a ser delineadas. Um de seus efeitos é a
exigência de um reequacionamento do papel da educação no mundo contemporâneo,
que coloca para a escola um horizonte mais amplo e diversificado do que aquele
que, até poucas décadas atrás, orientava a concepção e construção dos projetos
educacionais. Não basta visar à capacitação dos estudantes para futuras
habilitações em termos das especializações tradicionais, mas antes trata-se de
ter em vista a formação dos estudantes em termos de sua capacitação para a
aquisição e o desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes
que se produzem e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder
lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos ritmos e
processos.
Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, “aprender a aprender”. Isso coloca novas demandas para a escola. A Educação Básica tem assim a função de garantir condições para que o aluno construa instrumentos que o capacitem para um processo de educação permanente.
Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, “aprender a aprender”. Isso coloca novas demandas para a escola. A Educação Básica tem assim a função de garantir condições para que o aluno construa instrumentos que o capacitem para um processo de educação permanente.
Para tanto, é necessário
que, no Processo de Ensino e Aprendizagem, sejam exploradas:
· a aprendizagem de metodologias capazes de
priorizar a construção de estratégias de verificação e comprovação de hipóteses
na construção do conhecimento;
· a construção de argumentação capaz de
controlar os resultados desse processo;
·
o desenvolvimento do espírito crítico capaz
de favorecer a criatividade, a compreensão dos limites e alcances lógicos das
explicações propostas.
Além disso, é necessário
ter em conta uma dinâmica de ensino que favoreça não só o descobrimento das
potencialidades do trabalho individual, mas também, e sobretudo, do trabalho
coletivo. Isso implica o estímulo à autonomia do sujeito, desenvolvendo o
sentimento de segurança em relação às suas próprias capacidades, interagindo de
modo orgânico e integrado num trabalho de equipe e, portanto, sendo capaz de
atuar em níveis de interlocução mais complexos e diferenciados.
NATUREZA E FUNÇÃO DOS PCN's
Cada criança ou jovem
brasileiro, mesmo de locais com pouca infra-estrutura e condições socioeconômicas
desfavoráveis, deve ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente
elaborados e reconhecidos como necessários para o Exercício da Cidadania para
deles poder usufruir. Se existem diferenças socioculturais marcantes, que
determinam diferentes necessidades de aprendizagem, existe também aquilo que é
comum a todos, que um aluno de qualquer lugar do Brasil, do interior ou do
litoral, de uma grande cidade ou da zona rural, deve ter o direito de aprender
e esse direito deve ser garantido pelo Estado.
Mas, na medida em que o
princípio da eqüidade reconhece a diferença e a necessidade de haver condições
diferenciadas para o processo educacional, tendo em vista a garantia de uma formação
de qualidade para todos, o que se apresenta é a necessidade de um referencial
comum para a formação escolar no Brasil, capaz de indicar aquilo que deve ser
garantido a todos, numa realidade com características tão diferenciadas, sem
promover uma uniformização que descaracterize e desvalorize peculiaridades
culturais e regionais.
É nesse sentido que o
estabelecimento de uma referência curricular comum para todo o País, ao mesmo
tempo que fortalece a unidade nacional e a responsabilidade do Governo Federal
com a educação, busca garantir, também, o respeito à diversidade que é marca
cultural do País, mediante a possibilidade de adaptações que integrem as
diferentes dimensões da prática educacional.
Para compreender a “Natureza”
dos PCN’s, é necessário situá-los em relação a quatro níveis de concretização
curricular considerando a estrutura do sistema educacional brasileiro. Tais
níveis não
representam etapas seqüenciais, mas sim amplitudes distintas da
elaboração de propostas curriculares, com responsabilidades diferentes, que
devem buscar uma integração e, ao mesmo tempo, autonomia.
Os Parâmetros Curriculares
Nacionais constituem o "primeiro nível" de concretização curricular. São uma referência
nacional para o Ensino Fundamental, estabelecem uma meta educacional para a qual
devem convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto,
tais como os projetos ligados à sua competência na formação inicial e
continuada de professores, à análise e compra de livros e outros materiais
didáticos e à avaliação nacional.
Têm como função subsidiar
a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e Municípios, dialogando com
as propostas e experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica
interna das escolas e a elaboração de projetos educativos, assim como servir de
material de reflexão para a prática de professores.
Todos os documentos aqui
apresentados configuram uma referência nacional em que são apontados conteúdos
e objetivos articulados, critérios de eleição dos primeiros, questões de ensino
e aprendizagem das áreas, que permeiam a prática educativa de forma explícita
ou implícita, propostas sobre a avaliação em cada momento da escolaridade e em
cada área, envolvendo questões relativas a o que e como avaliar. Assim, além de
conter uma exposição sobre seus fundamentos, contém os diferentes “Elementos Curriculares” — tais como Caracterização
das Áreas, Objetivos, Organização dos Conteúdos, Critérios
de Avaliação e Orientações Didáticas —, efetivando uma
proposta articuladora dos propósitos mais gerais de formação de cidadania, com
sua operacionalização no processo de aprendizagem.
Apesar de apresentar uma
estrutura curricular completa, os Parâmetros Curriculares Nacionais são abertos
e flexíveis, uma vez que, por sua natureza, exigem adaptações para a construção
do currículo de uma Secretaria ou mesmo de uma escola. Também pela sua
natureza, eles não se impõem como uma diretriz obrigatória: o que se pretende é
que ocorram adaptações, por meio do diálogo, entre estes documentos e as
práticas já existentes, desde as definições dos objetivos até as orientações
didáticas para a manutenção de um todo coerente.
Os Parâmetros Curriculares
Nacionais estão situados historicamente — não são princípios atemporais. Sua
validade depende de estarem em consonância com a realidade social,
necessitando, portanto, de um processo periódico de avaliação e revisão, a ser
coordenado pelo MEC.
O “segundo nível” de concretização diz respeito às propostas
curriculares dos Estados e Municípios. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
poderão ser utilizados como recurso para adaptações ou elaborações curriculares
realizadas pelas Secretarias de Educação, em um processo definido pelos
responsáveis em cada local.
O “terceiro nível” de concretização refere-se à elaboração da proposta
curricular de cada instituição escolar, contextualizada na discussão de
seu projeto educativo. Entende-se por projeto educativo a expressão da
identidade de cada escola em um processo dinâmico de discussão, reflexão e
elaboração contínua. Esse processo deve contar com a participação de toda
equipe pedagógica, buscando um comprometimento de todos com o trabalho
realizado, com os propósitos discutidos e com a adequação de tal projeto às
características sociais e culturais da realidade em que a escola está inserida.
É no âmbito do projeto educativo que professores e equipe pedagógica discutem e
organizam os objetivos, conteúdos e critérios de avaliação para cada ciclo.
Os Parâmetros Curriculares
Nacionais e as propostas das Secretarias devem ser vistos como materiais que
subsidiarão a escola na constituição de sua proposta educacional mais geral,
num processo de interlocução em que se compartilham e explicitam os valores e
propósitos que orientam o trabalho educacional que se quer desenvolver e o
estabelecimento do currículo capaz de atender às reais necessidades dos alunos.
O “quarto nível” de concretização curricular é o momento da realização
da programação das atividades de ensino e aprendizagem na sala de aula. É
quando o professor, segundo as metas estabelecidas na fase de concretização
anterior, faz sua programação, adequando-a àquele grupo específico de alunos. A
programação deve garantir uma distribuição planejada de aulas, distribuição dos
conteúdos segundo um cronograma referencial, definição das orientações
didáticas prioritárias, seleção do material a ser utilizado, planejamento de
projetos e sua execução. Apesar da responsabilidade ser essencialmente de cada
professor, é fundamental que esta seja compartilhada com a equipe da escola por
meio da co-responsabilidade estabelecida no projeto educativo.
Tal proposta, no entanto,
exige uma política educacional que contemple a formação inicial e continuada
dos professores, uma decisiva revisão das condições salariais, além da
organização de uma estrutura de apoio que favoreça o desenvolvimento do
trabalho (acervo de livros e obras de referência, equipe técnica para
supervisão, materiais didáticos, instalações adequadas para a realização de
trabalho de qualidade), aspectos que, sem dúvida, implicam a valorização da
atividade do professor.
FUNDAMENTOS DOS PCN's
A TRADIÇÃO PEDAGÓGICA BRASILEIRA
A prática de todo
professor, mesmo de forma inconsciente, sempre pressupõe uma concepção de ensino
e aprendizagem que determina sua compreensão dos papéis de professor e aluno,
da metodologia, da função social da escola e dos conteúdos a serem
trabalhados.
A discussão dessas
questões é importante para que se explicitem os “pressupostos pedagógicos” que subjazem à atividade de
ensino, na busca de coerência entre o
que se pensa estar fazendo e o
que realmente se faz. Tais práticas se constituem a partir das concepções
educativas e metodologias de ensino que permearam a formação educacional e o
percurso profissional do professor, aí incluídas suas próprias experiências
escolares, suas experiências de vida, a ideologia compartilhada com seu grupo
social e as tendências pedagógicas que lhe são contemporâneas.
As tendências pedagógicas
que se firmam nas escolas brasileiras, públicas e privadas, na maioria dos
casos não aparecem em forma pura, mas com características particulares, muitas
vezes mesclando aspectos de mais de uma linha pedagógica.
A análise das tendências
pedagógicas no Brasil deixa evidente a influência dos grandes movimentos
educacionais internacionais, da mesma forma que expressam as especificidades de
nossa história política, social e cultural, a cada período em que são
consideradas. Pode-se identificar, na Tradição Pedagógica Brasileira, a
presença de quatro grandes tendências: a Tradicional, a Renovada,
a Tecnicista e aquelas marcadas centralmente por Preocupações Sociais
e Políticas. Tais tendências serão sintetizadas em grandes traços que
tentam recuperar os pontos mais significativos
de cada uma das propostas. Este documento não ignora o risco de uma
certa redução das concepções, tendo em vista a própria síntese e os limites
desta apresentação.
A “Pedagogia Tradicional”
é uma proposta de educação centrada no professor, cuja função se define como a
de vigiar e aconselhar os alunos, corrigir e ensinar a matéria. A metodologia
decorrente de tal concepção baseia-se na exposição oral dos conteúdos, numa seqüência
predeterminada e fixa, independentemente do contexto escolar; enfatiza-se a
necessidade de exercícios repetidos para garantir a memorização dos conteúdos.
A função primordial da escola, nesse modelo, é transmitir conhecimentos
disciplinares para a formação geral do aluno, formação esta que o levará, ao
inserir-se futuramente na sociedade, a optar por uma profissão valorizada. Os conteúdos
do ensino correspondem aos conhecimentos e valores sociais acumulados pelas
gerações passadas como verdades acabadas, e, embora a escola vise à preparação
para a vida, não busca estabelecer relação entre os conteúdos que se ensinam e
os interesses dos alunos, tampouco entre esses e os problemas reais que afetam
a sociedade. Na maioria das escolas essa prática pedagógica se caracteriza por
sobrecarga de informações que são veiculadas aos alunos, o que torna o processo
de aquisição de conhecimento, para os alunos, muitas vezes burocratizado e
destituído de significação. No ensino dos conteúdos, o que orienta é a
organização lógica das disciplinas, o aprendizado moral, disciplinado e
esforçado. Nesse modelo, a escola se caracteriza pela postura conservadora. O
professor é visto como a autoridade máxima, um organizador dos conteúdos e
estratégias de ensino e, portanto, o guia exclusivo do processo educativo.
A “Pedagogia Renovada”
é uma concepção que inclui várias correntes que, de uma forma ou de outra,
estão ligadas ao movimento da “Escola Nova ou Escola Ativa”. Tais
correntes, embora admitam divergências, assumem um mesmo princípio norteador de
valorização do indivíduo como ser livre, ativo e social. O centro da atividade
escolar não é o professor nem os conteúdos disciplinares, mas sim o aluno, como
ser ativo e curioso. O mais importante não é o ensino, mas o processo de aprendizagem.
Em oposição à Escola Tradicional, a Escola Nova destaca o princípio da aprendizagem
por descoberta e estabelece que a atitude de aprendizagem parte do interesse
dos alunos, que, por sua vez, aprendem fundamentalmente pela experiência, pelo
que descobrem por si mesmos. O professor é visto, então, como facilitador no
processo de busca de conhecimento que deve partir do aluno. Cabe ao professor
organizar e coordenar as situações de aprendizagem, adaptando suas ações às características
individuais dos alunos, para desenvolver suas capacidades e habilidades
intelectuais. A idéia de um ensino guiado pelo interesse dos alunos acabou, em
muitos casos, por desconsiderar a necessidade de um trabalho planejado,
perdendo-se de vista o que deve ser ensinado e aprendido. Essa tendência, que
teve grande penetração no Brasil na década de 30, no âmbito do ensino
pré-escolar (jardim de infância), até hoje influencia muitas práticas
pedagógicas.
Nos anos 70 proliferou o
que se chamou de “Tecnicismo Educacional”, inspirado nas teorias
behavioristas da aprendizagem e da abordagem sistêmica do ensino, que definiu
uma prática pedagógica altamente controlada e dirigida pelo professor, com
atividades mecânicas inseridas numa proposta educacional rígida e passível de ser
totalmente programada em detalhes. A supervalorização da tecnologia programada
de ensino trouxe conseqüências: a escola se revestiu de uma grande
auto-suficiência, reconhecida por ela e por toda a comunidade atingida, criando
assim a falsa idéia de que aprender não é algo natural do ser humano, mas que depende
exclusivamente de especialistas e de técnicas. O que é valorizado nessa
perspectiva não é o professor, mas a tecnologia; o professor passa a ser um
mero especialista na aplicação de manuais e sua criatividade fica restrita aos
limites possíveis e estreitos da técnica utilizada. A função do aluno é
reduzida a um indivíduo que reage aos estímulos de forma a corresponder às
respostas esperadas pela escola, para ter êxito e avançar. Seus interesses e
seu processo particular não são considerados e a atenção que recebe é para ajustar
seu ritmo de aprendizagem ao programa que o professor deve implementar. Essa
orientação foi dada para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos
60, e até hoje está presente em muitos materiais didáticos com caráter
estritamente técnico e instrumental.
No final dos anos 70 e
início dos 80, a abertura política decorrente do final do regime militar
coincidiu com a intensa mobilização dos educadores para buscar uma educação
crítica a serviço das transformações sociais, econômicas e políticas, tendo em
vista a superação das desigualdades existentes no interior da sociedade. Ao
lado das denominadas teorias crítico-reprodutivistas, firma-se no meio educacional
a presença da “Pedagogia Libertadora” e da “Pedagogia Crítico-Social
Dos Conteúdos”, assumida por educadores de “Orientação Marxista”.
A “Pedagogia
Libertadora” tem suas origens nos movimentos de educação popular que
ocorreram no final dos anos 50 e início dos anos 60, quando foram interrompidos
pelo golpe militar de 1964; teve 32 seu desenvolvimento retomado no final dos
anos 70 e início dos anos 80. Nessa proposta, a atividade escolar pauta-se em
discussões de temas sociais e políticos e em ações sobre a realidade social imediata;
analisam-se os problemas, seus fatores determinantes e organiza-se uma forma de
atuação para que se possa transformar a realidade social e política. O
professor é um coordenador de atividades que organiza e atua conjuntamente com
os alunos.
A “Pedagogia
Crítico-Social Dos Conteúdos” que surge no final dos anos 70 e início dos
80 se põe como uma reação de alguns educadores que não aceitam a pouca relevância
que a “Pedagogia Libertadora” dá ao aprendizado do chamado “saber elaborado”,
historicamente acumulado, que constitui parte do acervo cultural da humanidade.
A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” assegura a função social e política
da escola mediante o trabalho com conhecimentos sistematizados, a fim de
colocar as classes populares em condições de uma efetiva participação nas lutas
sociais. Entende que não basta ter como conteúdo escolar as questões sociais atuais,
mas que é necessário que se tenha domínio de conhecimentos, habilidades e
capacidades mais amplas para que os alunos possam interpretar suas experiências
de vida e defender seus interesses de classe.
As tendências pedagógicas
que marcam a tradição educacional brasileira e aqui foram expostas sinteticamente
trazem, de maneira diferente, contribuições para uma proposta atual que busque
recuperar aspectos positivos das práticas anteriores em relação ao
desenvolvimento e à aprendizagem, realizando uma releitura dessas práticas à
luz dos avanços ocorridos nas produções teóricas, nas investigações e em fatos que
se tornaram observáveis nas experiências educativas mais recentes realizadas em
diferentes Estados e Municípios do Brasil.
No final dos anos 70,
pode-se dizer que havia no Brasil, entre as tendências didáticas de vanguarda, aquelas
que tinham um viés mais psicológico e outras cujo viés era mais sociológico e
político; a partir dos anos 80 surge com maior evidência um movimento que
pretende a integração entre essas abordagens. Se por um lado não é mais
possível deixar de se ter preocupações com o domínio de conhecimentos formais
para a participação crítica na sociedade, considera-se também que é necessária
uma adequação pedagógica às características de um aluno que pensa, de um
professor que sabe e aos conteúdos de valor social e formativo. Esse momento se
caracteriza pelo enfoque centrado no caráter social do processo de ensino e
aprendizagem e é marcado pela influência da “psicologia genética”.
O enfoque social dado aos
processos de ensino e aprendizagem traz para a discussão pedagógica aspectos de
extrema relevância, em particular no que se refere à maneira como se devem
entender as relações entre desenvolvimento
e aprendizagem, à importância
da relação interpessoal nesse processo, à relação entre cultura e educação e ao
papel da ação educativa ajustada às situações de aprendizagem e às características
da atividade mental construtiva do aluno em cada momento de sua escolaridade.
A “Psicologia Genética” propiciou aprofundar a compreensão
sobre o processo de desenvolvimento na construção do conhecimento. Compreender
os mecanismos pelos quais as crianças constroem representações internas de
conhecimentos construídos socialmente, em uma perspectiva psicogenética, traz
uma contribuição para além das descrições dos grandes estágios de
desenvolvimento.
A pesquisa sobre a “Psicogênese
da Língua Escrita” chegou ao Brasil em meados dos anos 80 e causou grande
impacto, revolucionando o ensino da língua nas séries iniciais e, ao mesmo
tempo, provocando uma revisão do tratamento dado ao ensino e à aprendizagem em
outras áreas do conhecimento. Essa investigação evidencia a atividade
construtiva do aluno sobre a língua escrita, objeto de conhecimento
reconhecidamente escolar, mostrando a presença importante dos conhecimentos
específicos sobre a escrita que a criança já tem, os quais, embora não
coincidam com os dos adultos, têm sentido para ela.
A metodologia utilizada
nessas pesquisas foi muitas vezes interpretada como uma proposta de “Pedagogia Construtivista” para
alfabetização, o que expressa um duplo equívoco: redução do construtivismo a uma
teoria psicogenética de aquisição de língua escrita e transformação de uma
investigação acadêmica em método de ensino. Com esses equívocos, difundiram-se,
sob o rótulo de pedagogia construtivista, as idéias de que não se devem
corrigir os erros e de que as crianças aprendem fazendo “do seu jeito”. Essa
pedagogia, dita construtivista, trouxe sérios problemas ao processo de ensino e
aprendizagem, pois desconsidera a função primordial da escola que é ensinar,
intervindo para que os alunos aprendam o que, sozinhos, não têm condições de
aprender.
A orientação proposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais
reconhece a importância da participação construtiva do aluno e, ao mesmo tempo,
da intervenção do professor para a aprendizagem de conteúdos específicos que
favoreçam o desenvolvimento das capacidades necessárias à formação do
indivíduo. Ao contrário de uma concepção de ensino e aprendizagem como um processo
que se desenvolve por etapas, em que a cada uma delas o conhecimento é
“acabado”, o que se propõe é uma visão da complexidade e da provisoriedade do
conhecimento. De um lado, porque o objeto de conhecimento é “complexo” de fato
e reduzi-lo seria falsificá-lo; de outro, porque o processo cognitivo não
acontece por justaposição, senão por reorganização do conhecimento. É também
“provisório”, uma vez que não é possível chegar de imediato ao conhecimento correto,
mas somente por aproximações sucessivas que permitem sua reconstrução.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto nos objetivos
educacionais que propõem quanto na conceitualização do significado das áreas de
ensino e dos temas da vida social contemporânea que devem permeá-las, adotam
como eixo o desenvolvimento de capacidades do aluno, processo em que os conteúdos curriculares atuam não
como fins em si mesmos, mas como meios para a aquisição e desenvolvimento dessas
capacidades. Nesse sentido, o que se tem em vista é que o aluno possa ser
sujeito de sua própria formação, em um complexo processo interativo em que
também o professor se veja como sujeito de conhecimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário